sábado, 21 de março de 2009

Gildo Marçal Brandão. Linhagens do pensamento político brasileiro


Dados v.48 n.2 Rio de Janeiro abr./jun. 2005

Linhagens do pensamento político brasileiro*

Lines of Brazilian political thought

Lignées de la pensée politique brésilienne

Gildo Marçal Brandão


ABSTRACT

The objectives are to investigate the characteristics of conservatism and liberalism in Brazil, verify whether the concepts of "organic idealism" and "constitutional idealism" are capable of describing and evaluating the principal "forms of thought" which have dominated Brazilian political and social thinking since the last quarter of the 19th century, and formulate a hypothesis on the way these currents of thought respond to the challenges raised by the country’s political development. The analysis will focus less on the substantive content of ideologies and worldviews than on describing the underlying "forms of thought": intellectual structures and theoretical categories based on which reality is perceived, practical experience is elaborated, and political action is organized.

Key words: political thought; organic idealism; constitutional idealism; conservatism; liberalism


RÉSUMÉ

Dans cet article, le but est d'étudier les caractères du conservatisme et du libéralisme brésilien, en vérifiant si les concepts d' "idéalisme organique" et "idéalisme constitutionnel" sont susceptibles de décrire et évaluer les principales "formes de pensée" qui depuis les années 1870 ont dominé les idées politiques et sociales au Brésil. On souhaite aussi formuler une hypothèse sur la façon dont ces courants ont relevé les enjeux suscités par le développement politique du pays. L'intérêt principal e l'analyse sera moins tourné vers le contenu substantif des idéologies et conceptions du monde et davantage vers la description des "façons de penser" sous-jacentes – c'est-à-dire les structures intellectuelles et les catégories théoriques à partir desquelles on perçoit la réalité, on élabore l'expérience pratique et on organise l'action politique.

Mots-clé: pensée politique; idéalisme organique; idéalisme constitutionnel; conservatisme; libéralisme


Nos últimos anos, um heterogêneo conjunto de pesquisadores, equipados com o instrumental analítico acumulado por décadas de ciência social institucionalizada, vem não apenas revisitando o ensaísmo dos anos 30, mas vasculhando a história intelectual do país e produzindo uma quantidade respeitável de análises, pesquisas empíricas e historiográficas, interpretações teóricas que têm contribuído para renovar nosso conhecimento dos padrões e dilemas fundamentais da sociedade e da política brasileiras. Esboçado em meados do século XX, tendo recebido notável impulso nos anos 70, este campo de estudo chegou à maturidade nos 90, constituindo-se em um dos mais produtivos das ciências sociais. Com efeito, além da emergência ou renovação das disciplinas que investigam os fenômenos do viver em transição – como a violência urbana, a pluralização religiosa, a explosão do associativismo, as redefinições das relações de gênero e as raciais, as transformações do mundo do trabalho, a judicialização da política, o papel da mídia na formação da vontade política da população, a financeirização da economia, os novos equilíbrios nas relações internacionais etc. –, uma das características mais salientes das ciências sociais que estamos fazendo é o crescimento e a diversificação desta área de pesquisa que vem sendo chamada, com maior ou menor propriedade, de "pensamento social" no Brasil ou de "pensamento político brasileiro".

Visto retrospectivamente, os seus contornos nunca foram muito claros: como se trata de uma área de fronteira, acolhendo orientações intelectuais provindas das diversas ciências humanas, o estudo do "pensamento político-social" estabeleceu-se aqui, como em todo o mundo, no cruzamento de disciplinas tão variadas como a antropologia política e a sociologia da arte; a história da literatura e a história da ciência; a história das mentalidades e a sociologia dos intelectuais; a filosofia e teoria política e social; e a história das idéias e das visões-de-mundo. Essa superposição – por vezes conflituosa na medida mesma da indiferenciação – talvez fosse inevitável no caso de país de capitalismo retardatário como o nosso, uma vez que o tratamento da literatura, da arte, da cultura e das ciências aqui praticadas acaba tendo uma importante dimensão política por força da relação urgente que se estabelece entre formação da cultura e formação da nação.

Como em todo lugar, muita coisa menor foi aí escrita, desde história das idéias que não passava de exposição monográfica das concepções de um autor sem a menor inquietação sobre a natureza da empreitada teórica e dos processos histórico-sociais dos quais – pensamento em pauta e forma de abordá-lo – são momento e expressão, até a pretensão de erigir a sociologia da vida intelectual ou a das instituições acadêmicas em sucedâneo da sociologia do conhecimento, de resolver o problema da qualidade e da capacidade cognitiva e propositiva de uma teoria pela enésima remissão ao grau de institucionalidade da disciplina ou província acadêmica na qual ela surge. Isso sem falar nas tradicionais "explicações" de uma obra pela origem social do autor e nas moderníssimas reduções do conteúdo e da forma da produção intelectual às estratégias institucionais ou de ascensão profissional ou social das coteries.

Apesar disso, aquela diversidade favoreceu a acumulação de capital teórico e, de qualquer maneira, não impediu a cristalização de um campo intelectual diferenciado, que arrancava do reconhecimento de uma (rica) tradição de pensamento social e político no Brasil para fazer da reflexão sobre os seus "clássicos" – visconde de Uruguai, Tavares Bastos, Sílvio Romero, Joaquim Nabuco, Ruy Barbosa, Euclides da Cunha, Alberto Torres, Oliveira Vianna, Azevedo Amaral, Gilberto Freyre, Sérgio Buarque de Holanda, Nestor Duarte, Caio Prado Jr., Raymundo Faoro, Victor Nunes Leal, Guerreiro Ramos, Florestan Fernandes, Celso Furtado etc. – o instrumento para interpelar inusitadamente a sociedade e a história que os produz. Junto com a "expansão quantitativa da pós-graduação e a concomitante diversificação das formas institucionais que se operaram a partir de meados dos anos sessenta", a existência dessa tradição, em boa medida "anterior aos surtos de crescimento econômico e urbanização deste século, e mesmo ao estabelecimento das primeiras universidades", terá contribuído para a constituição e consolidação de uma ciência política relativamente autônoma no Brasil (Lamounier, 1982:407). A reflexão sobre o pensamento político e social revelou-se, entretanto, demasiada rebelde para ser tratada como mera pré-história ideológica a ser abandonada tão logo se tenha acesso à institucionalização acadêmica da disciplina científica. Demonstrou-se, ao contrário, um pressuposto capaz de ser continuamente reposto pelo evolver da ciência institucionalizada – como um índice da existência de um corpo de problemas e soluções intelectuais, de um estoque teórico e metodológico aos quais os autores são obrigados a se referir no enfrentamento das novas questões postas pelo desenvolvimento social, como um afiado instrumento de regulação de nosso mercado interno das idéias em suas trocas com o mercado mundial.

Parte dessa rebeldia e capacidade de interpelação tem a ver, é claro, com a centralidade do papel dos "clássicos" – incluindo os "locais" – nas ciências sociais. Pode ser que resida aí alguma anomalia. Com efeito, em uma pesquisa feita artesanalmente com um pequeno, mas senior grupo de cientistas sociais, sobre quais seriam as obras e autores brasileiros mais importantes do século XX, as respostas não indicaram estudos teóricos ou empíricos executados segundo bons manuais metodológicos, mas Casa Grande & Senzala (1933) e Sobrados e Mucambos (1936), de Gilberto Freyre; Formação Econômica do Brasil (1954), de Celso Furtado; Os Donos do Poder (1958), de Raymundo Faoro; Raízes do Brasil (1936), de Sérgio Buarque de Holanda; Coronelismo, Enxada e Voto (1948), de Victor Nunes Leal; Formação do Brasil Contemporâneo (1942) e Evolução Política do Brasil (1933), de Caio Prado Júnior; A Função Social da Guerra na Sociedade Tupinambá (1952) e A Integração do Negro na Sociedade de Classes (1964), e outros, de Florestan Fernandes; Populações Meridionais do Brasil (1920) e Instituições Políticas Brasileiras (1949), de Oliveira Vianna; e Os Sertões (1902), de Euclides da Cunha (Schwartzman, 1999)1.

Tomando como padrão as ciências naturais – que progridem esquecendo os seus fundadores – e desconsiderando a natureza das ciências sociais – cujo trabalho, sob certo aspecto, se assemelha ao de Penélope, que, para atingir seus fins, necessita refazer o seu próprio caminho –, uma interpretação simplista não hesitaria em qualificar tal situação como resistência à adoção dos procedimentos metodológicos e técnicos que caracterizariam a verdadeira Ciência, indicação de quão atrasados estaríamos no terreno da profissionalização e institucionalização do saber. Fora desse sectarismo, no entanto, o que a lista evidencia é que historicistas e anti-historicistas, holistas e individualistas metodológicos, humanistas e cientificistas, aprendemos todos a pensar o país com aqueles pensadores. Esta realidade, parte ineliminável da experiência das gerações intelectuais dos 80 aos 21 anos, é por si só suficiente para tornar risível o dar de ombros com que por vezes se os considera – como alquimistas diante dos químicos, como literatura para deleite dominical do espírito, como relevantes tão somente do ponto de vista da história da ciência. Apesar do caráter datado de muitas de suas proposições teóricas e bases empíricas, o fato é que continuam a ser lidos como testemunhas do passado e como fontes de problemas, conceitos, hipóteses e argumentos para a investigação científica do presente2.

Nesse sentido, os pesquisadores que aceitaram o desafio de se movimentar nessa zona de fronteira reconheceram cedo a força da "forma narrativa específica" – o ensaio histórico sobre a formação nacional – que a tradição gerou e, ao mesmo tempo, a necessidade de submeter textos e realidades pesquisadas ao tratamento e controle sistemáticos, segundo os métodos de investigação especializada (Lamounier, 1982:411)3. Como reflexão, a pesquisa sobre o pensamento político-social prolonga uma tradição que se foi acumulando desde, pelo menos, as décadas de 60 e 70 do século XIX, cujo exemplo conspícuo talvez seja a tentativa – sabidamente complicada, mas pertinente – de Sílvio Romero, em um momento de virada e esgotamento de um mundo, de pôr ordem na casa e verificar a evolução da literatura em função da evolução do país (Candido, 1978). Como espécie acadêmica, entretanto, ela ganha autonomia em relação aos estudos literários apenas nos anos 50 do século XX, quando se torna agudo o debate sobre os rumos a dar ao desenvolvimento econômico, a universidade se consolida, o modernismo se rotiniza, a sociologia desbanca a literatura como forma dominante de reflexão sobre a sociedade, e a direção intelectual e moral até então exercida pelo pensamento católico se vê derrotada por uma variedade de correntes as quais têm em comum o materialismo e o laicismo. Definiu ou renovou alguns de seus principais esquemas interpretativos na década de 70, quando se torna evidente que a associação "necessária" entre industrialização e democracia não passava de "equação otimista"4, a investigação sobre a natureza do Estado impõe-se, o exame das bases conceituais do autoritarismo – formuladas em grande estilo no início da Era Vargas – vem para primeiro plano, e a universidade vai deixando de sofrer a competição de agências produtoras de idéias como as instituições e os partidos programáticos da velha esquerda. E sai da periferia para a cidadania intelectual plena apenas no final do século, quando a exaustão do Estado nacional-desenvolvimentista se manifesta por todos os poros, a especialização exacerba a fragmentação do mundo intelectual, a sociedade se vê diante do imperativo de reformular suas instituições e redefinir seu lugar no mundo; e uma comunidade acadêmica consciente de sua própria força pode, enfim, confessar suas dívidas intelectuais para com os ensaístas.

Parece haver, portanto, uma íntima relação entre o caráter cíclico do interesse por aqueles "intérpretes do Brasil" e a dinâmica histórica e cultural da política brasileira, ou mais especificamente, alguma conexão de sentido entre essa explosão intelectual e a conjunção crítica – mudança global e, sob certo aspecto, concentrada no tempo, que está forçando a reorganização das esferas da nossa existência e a reformulação dos quadros mentais que até agora esquematizavam nosso saber5 – que estamos vivendo, apenas comparável aos períodos abertos pela Abolição e pela Revolução de 30. Tudo se passa como se o esforço de "pensar o pensamento" se acendesse nos momentos em que nossa má formação fica mais clara e a nação e sua intelectualidade se vêem constrangidas a refazer espiritualmente o caminho percorrido antes de embarcar em uma nova aventura – para declinar ou submergir em seguida. Talvez não seja excessivo usar aqui a metáfora da coruja de Minerva, que só alça vôo ao anoitecer – não por acaso, e ao contrário da imagem costumeira, aquela "forma narrativa" que a tradição consolidou está longe de ser um fenômeno de juventude, é um gênero da maturidade, supondo acumulação intelectual prévia e refinamento estilístico –, mas nesse caso conviria levá-la até o fim e reconhecer que se não há como ter "perspectiva adequada sobre a época atual sem recolhermos a exemplaridade dessa herança" (Weffort, 2000:19), a reflexão sobre o pensamento político, totalizante por natureza, pode também vislumbrar sinais do novo mundo.

Dada tal acumulação teórica – e talvez porque, além de lutar para produzir "transparência sobre o real", aspire a ser "parte constitutiva dele" (Werneck Vianna, 1997:213) –, o (estudo do) pensamento político-social foi capaz de formular ou de discriminar na evolução política e ideológica brasileira a existência de "estilos" determinados, formas de pensar extraordinariamente persistentes no tempo, modos intelectuais de se relacionar com a realidade que subsumem até mesmo os mais lídimos produtos da ciência institucionalizada, estabelecendo problemáticas e continuidades que permitem situar e pôr sob nova luz muita proposta política e muita análise científica atual. Também aqui, como em outras partes do mundo, o esclarecimento das lutas espirituais do passado acaba se revelando um pressuposto necessário à proposição de estratégias políticas para o presente.

PRESSUPOSTOS, HIPÓTESES

O que me interessa, pois, é investigar a existência dessas "famílias intelectuais" no Brasil, reconhecer suas principais características formais e escavar sua genealogia. Verificar em que medida os conceitos de "idealismo orgânico" e "idealismo constitucional", formulados originariamente por Oliveira Vianna (1939)6, são capazes – desde, é claro, que trabalhados de modo a neutralizar suas petições de princípio e a esvaziar o que contém de justificação ideológica de um projeto de monopólio de poder e de saber – de descrever e analisar as principais "formas de pensamento" que do último quartel do século XIX para cá dominaram o pensamento social e político brasileiro. Em seguida, circunscrever aquelas que, no processo de naturalização do Brasil industrial, se esboçaram na contramão e, malgrado suas debilidades, constituíram as primeiras concepções antiaristocráticas do país, fornecendo os lineamentos gerais de todas as reformas sociais e econômicas propostas até a ascensão do neoliberalismo – como o "pensamento radical de classe média" e o "marxismo de matriz comunista"7, estes frutos legítimos da "nossa revolução". E formular, por fim, uma hipótese sobre o modo como essas correntes responderam aos desafios postos pelo desenvolvimento histórico-político do país. Sem deixar de examinar o conteúdo substantivo das ideologias e visões-de-mundo, a ênfase analítica será posta na descrição das "formas de pensar" subjacentes – estruturas intelectuais e categorias teóricas, a partir das quais a realidade é percebida, a experiência prática elaborada e a ação política organizada. Mapear estruturas intelectuais que se cristalizam historicamente como a priori analíticos, e ver como se articulam com a perspectiva política mobilizada – eis o núcleo do trabalho.

Centrada no exame dos principais textos e conceitos que materializam tais formas de pensar, a discussão, logo se vê, não se reduz à enésima leitura de autores ou contextos irremediavelmente passados. Aceitemos por um momento, para efeito de argumentação, as premissas skinnerianas segundo as quais o historiador intelectual não deve se preocupar com a validade ou o significado presente das idéias passadas, pois, ao lidar com respostas particulares a problemas epocais particulares, a história das idéias e das teorias políticas o faria de tal modo que o significado dos conceitos formulados no passado não teria vida independente fora do contexto em que foi produzido, não poderia ser transportado para o presente senão ilegitimamente (Skinner, 1988:29-67) – com a conseqüente suposição da incomensurabilidade entre os tempos e a rígida separação entre explicação e interpretação, entre teoria e história, que elas acarretam. Ainda assim seria possível assumir como pressuposto que, durante o período abordado por este estudo, houve profundas mudanças, mas nenhuma mutação ontológica radical de uma inteira constelação histórica; as modificações cíclicas ocorridas, o aparecimento de novas concepções, teorias e interpretações em resposta aos problemas postos pelo desenvolvimento social não alteraram ou não esgotaram a estrutura básica da realidade sobre a qual nossos autores refletem.

Por outro lado, o argumento de Skinner comporta dois momentos que deveriam ser tratados separadamente: ele deriva da tese segundo a qual idéias e teorias só se explicam pelo contexto (lingüístico) no qual se inserem a conseqüência de que deve ser recusada toda interpretação que ultrapasse esse estrito significado histórico (ou historista?). O primeiro raciocínio leva a uma crítica feroz e consistente aos anacronismos, especialmente ao modo usual de tratar os grandes textos do pensamento político esvaziando-os de historicidade, como se fossem todos "contribuições" a alguma espécie de theoria ou de philosophia perennis. O segundo acaba levando à cisão entre teoria e história, entre o momento histórico e o sistemático no tratamento das idéias e da compreensão de um texto, bloqueia qualquer relação entre os interesses teóricos contemporâneos e as pesquisas sobre o significado dos textos históricos8.

Do ponto de vista aqui explorado, ao contrário, não apenas o objeto a ser investigado não é uma preciosidade arqueológica, mas também sua exposição não pode ser dissociada do debate contemporâneo que lhe é momento e parte constitutiva. Nessa condição, não há como não confrontar leituras distintas do pensamento político-social brasileiro, especialmente os principais modelos de interpretação formulados nas últimas décadas, ao mesmo tempo verificando em que medida há continuidade ou ruptura entre as formulações clássicas dos convencionalmente denominados "intérpretes do Brasil" e o trabalho intelectual que vem sendo produzido na universidade segundo os métodos de investigação especializada. Na verdade, se uma das particularidades do estudo do pensamento político é que ele aspira a ser parte constitutiva do objeto estudado, então, no exame de suas grandes obras, a referência àquelas leituras "deve operar aí como elemento de controle e, em vários momentos, como dimensão polêmica contra as análises que buscam entender um pensamento coerente e original a partir de seu exterior"9 (Cohn, 1979:XIII-XIV). Mas também como elemento de comprovação das hipóteses a seguir sugeridas, na medida em que originais e exegeses confluem para a formação do mesmo campo, cujos impactos político-culturais serão intercambiáveis, mais do que análogos; acabam por formar, em conjunto, a "tradição", as exegeses, prolongando-a, reinterpretando-a, renovando-a e, no limite, reinventando-a. Invertido o olhar, a tradição – e com ela, as formas de pensar que discrimina – persiste(m) nessas releituras que, por sua vez, interpelam as obras e os conceitos a partir de agendas e circunstâncias em parte inusitadas, impondo novos recortes e combinações.

Posto isso, assumo como pressuposto que nenhuma grande constelação de idéias pode ser compreendida sem levar em conta os problemas históricos aos quais tenta dar respostas e sem atentar para as formas específicas em que é formulada e discutida, ao mesmo tempo que nenhuma grande constelação de idéias pode ser inteiramente resolvida em seu contexto (Femia, 1988)10. Nessa direção, eis as principais hipóteses que pretendo investigar. A primeira delas é se é possível – sem prejuízo de suas mediações internacionais e sem deixar de atentar seja para a especificidade teórica de cada um desses autores, seja para a diversidade de contextos históricos nos quais eles atuam – situar o liberalismo atual em uma linha de continuidade que vem do diagnóstico de Tavares Bastos sobre o caráter asiático e parasitário que o Estado colonial herdou da metrópole portuguesa, passa pela tese de Raymundo Faoro segundo a qual o problema é a permanência de um estamento burocrático-patrimonial que foi capaz de se reproduzir secularmente, e desemboca, como sugere Simon Schwartzman e outros "americanistas", na proposta de (des)construção de um Estado que rompa com sua tradição "ibérica" e imponha o predomínio do mercado, ou da sociedade civil, e dos mecanismos de representação sobre os de cooptação, populismo e "delegação"11.

Da mesma forma, sugiro que podemos ver no conceito de "formalismo", com sua discrepância entre norma e conduta e com sua presunção de estratégia de mudança induzida em uma sociedade razoavelmente desarticulada, e na distinção entre "hipercorreção" e "pragmatismo crítico", propostos por Guerreiro Ramos nos anos 60, e nos trabalhos realizados por Wanderley Guilherme dos Santos sobre a práxis liberal, e Bolívar Lamounier sobre o pensamento autoritário, na virada dos anos 80, tanto marcos desse interesse acadêmico pela história intelectual brasileira como momentos eles próprios de reconstrução das orientações ideais de correntes ideológicas socialmente enraizadas. Assim, enquanto os conceitos de "formalismo" e "autoritarismo instrumental" configuravam versões espiritualizadas e "axiologicamente neutras" da crítica saquarema ao suposto utopismo dos liberais, a crítica à "ideologia de Estado" acentuava a contraposição entre as propostas de organização da sociedade a partir do Estado ou do Mercado, de modo a recuperar a preocupação com a engenharia institucional dos "idealistas constitucionais". Enquanto os dois primeiros renovavam pela esquerda o "idealismo orgânico" de visconde de Uruguai e de Oliveira Vianna, o terceiro retomava implicitamente Tavares Bastos e Ruy Barbosa, pelo menos ao privilegiar a questão da forma de governo e ao considerar que as reformas políticas e somente elas seriam capazes de tornar representativa a democracia e desobstruir o caminho para as reformas econômicas e sociais12. No mesmo sentido, não será surpresa constatar que, sem deixar de representar um notável esforço de absorção dos "avanços metodológicos" da ciência social internacional, os (a maioria dos) trabalhos mais importantes que foram publicados no país nas últimas décadas sobre eleições, partidos e sistemas partidários, governo, instituições e políticas públicas podem ser enquadrados em uma ou em outra orientação. Uma vez situados, torna-se mais inteligível o modo como cada autor e corrente responde aos desafios da "nossa revolução", posiciona-se diante da agenda política do dia, expressa tendências sociais – e não apenas acadêmicas ou individuais – de longa duração, luta para ganhar a opinião pública e dirigir intelectual e moralmente a ação de grandes grupos sociais.

Estabelecidas tais hipóteses principais, convém reconhecer que os anos 50 representam um notável ponto de inflexão nesse processo de gestação, ou cristalização, das formas de pensar. Neles ocorre tanto a rotinização das "inovações tecnológicas" do pensamento social dos anos 30 – redescoberta do Brasil, absorção da sociologia como método de abordagem da realidade, reflexão sobre a natureza e a estrutura do Estado, reconhecimento da questão social etc. –, como uma mudança profunda de ênfase, estilo e problemáticas intelectuais, marcadas dessa vez não apenas pela construção do Estado, mas pela emergência da sociedade e de sua transformação como problema. Nesses termos, a idéia-força, organizadora do campo intelectual, é a do desenvolvimento, e a questão subjacente é a da democracia. Prefigurado quando a necessidade de modernização do Estado ocupava o primeiro plano, o problema teórico da estrutura e dinâmica da sociedade tal como se está constituindo torna-se determinante e logo, projetos distintos, aliados e opostos de "superação do atraso" lutam para imprimir à mudança social, direção. Este é um momento em que não apenas novos sujeitos sociais e políticos emergem como é mais discernível a relação – continuidade e descontinuidade – entre novos e velhos atores (intelectuais tanto quanto políticos). Nesse processo, como observei anteriormente, a capacidade de direção intelectual e moral do catolicismo vive os seus estertores, a literatura atinge o seu apogeu e declínio como matriz do modo de ser do intelectual brasileiro, o discurso culturalista perde fôlego e a sociologia – que à diferença dos anos 1930, incorpora a economia política – torna-se a principal forma de intelecção da realidade.

Ora, essa notável mutação social e intelectual não afeta apenas as formas de pensar predominantes. Embora "idealismo orgânico" e "idealismo constitucional" sejam as mais antigas e permanentes, não são obviamente as únicas existentes: qualquer exame do conjunto do desenvolvimento intelectual e ideológico não poderá ignorar aquelas socialmente minoritárias – embora intelectualmente influentes – e marcadamente antiaristocráticas, que só podiam ter sido produzidas em uma sociedade revolvida pela generalização do trabalho assalariado, pela urbanização e pela industrialização.

Na entrevista em que apresenta a hipótese da existência de um "pensamento radical de classe média", Antonio Candido sugere que ele envolveu a maior parte dos socialistas e comunistas e se cristalizou a partir dos anos 40 e 50, especialmente na Universidade de São Paulo e apesar da intenção elitista de seus fundadores13. Contra os que cobravam a "revolução", Candido observa que o interesse maior da constelação ideológica estava em "favorecer um pensamento radical, e não assumir (uma impossível) posição revolucionária", o que teria representado enorme avanço diante do "grosso do pensamento (que) era maciçamente conservador, e não raro reacionário". Poderia acrescentar: a despeito do papel desempenhado por aquela universidade – bastante explorado pela literatura, que apontou também a derrota de projeto acadêmico similar no Rio de Janeiro (Miceli, 2001a; 2001b)14 –, o fenômeno estava longe de ser estadual e mesmo regional. Se for assim, talvez seja possível reconhecer a centralidade de Sérgio Buarque de Holanda e recortá-lo de modo a encontrar identidades entre autores tão díspares como Manoel Bonfim, Nestor Duarte, Victor Nunes Leal, Celso Furtado e Fernando Henrique Cardoso. E talvez não seja exagerado caracterizar esse pensamento democrático como socializante, quase sempre socialista, de matriz liberal, por vezes constitucionalista. Cabe, por isso mesmo, diferenciá-lo do que em outro lugar denominei de "marxismo de matriz comunista", que, pelo menos a partir da segunda metade dos anos 50 e em sua vertente "positiva", reconheceu que o processo político brasileiro permitiria compatibilizar desenvolvimento do capitalismo e democracia, recusou qualquer concepção "explosiva" da revolução e também apostou na "revolução dentro da ordem" comandada por uma frente ampla das forças sociais modernas que aquele processo havia gerado. Além disso, enquanto algum tipo de pluralismo causal marca a primeira, o que caracteriza a segunda, do ponto de vista analítico, é sempre a busca, bem ou malsucedida, de encontrar a unidade entre, digamos, a infra e a superestrutura na explicação do social15.

Tomadas em conjunto, tais formas de pensamento não foram ou nem sempre são necessariamente excludentes entre si: como fenômenos sociais e ideológicos se interpenetram e se influenciam reciprocamente. Por outro lado, é claro que outros recortes são possíveis. Nem todos os "pensadores político-sociais" se enquadram nesta ou naquela linhagem, em vários convivem almas contrapostas e nem sempre a proclamada é a real; e, como ocorre em toda família, por vezes os mais próximos são os mais distantes, e ninguém pode impedir que um Montecchio se apaixone por uma Capuleto. Sem falar que há sempre figuras marginais, independentes ou bizarras. Mas é aí, felizmente, que está a beleza da análise concreta. Podemos ver em situações como estas misturas menos ou mais consistentes de "ética" de esquerda com "epistemologias" de direita, e vice-versa, polarizações ambíguas ou conciliações produtivas, sublimes coerências ou ecletismos mal temperados, mas o importante é não transformar as "afinidades eletivas" entre idealismo orgânico e conservadorismo, entre idealismo constitucional e liberalismo, entre materialismo histórico e socialismo, em vias de mão única, relações de causa e efeito ou homologias entre ideologias e posições políticas – até porque toda concepção de mundo é um campo de forças, mantém relações e ramificações em vários grupos sociais e manifestações espirituais, supõe uma direita, uma esquerda e um centro, comporta teorias e interpretações diferentes, de modo que alianças intelectuais entre pensadores politicamente distantes, mas próximos pela forma de pensar, são possíveis. Como diz Michel Löwy, a afinidade eletiva

"[...] não é a afinidade ideológica inerente às diversas variantes de uma mesma corrente social e cultural (por exemplo, entre liberalismo econômico e político, entre socialismo e igualitarismo etc.). A eleição e a escolha recíproca implicam uma distância prévia, uma carência espiritual que deve ser preenchida, uma certa heterogeneidade ideológica. Por outro lado, a Wahlverwandtschaft não é de maneira alguma idêntica a 'correlação', termo vago que designa simplesmente a existência de um vínculo entre dois fenômenos distintos: indica um tipo preciso de relação significativa que nada tem em comum (por exemplo) com a correlação estatística entre crescimento econômico e declínio demográfico. A afinidade eletiva também não é sinônimo de 'influência', na medida em que implica uma relação bem mais ativa e uma articulação recíproca (podendo chegar à fusão). É um conceito que nos permite justificar processos de interação que não dependem nem da causalidade direta, nem da relação 'expressiva' entre forma e conteúdo (por exemplo, a forma religiosa como 'expressão' de um conteúdo político e social)" (1989:18, ênfases no original)16.

FORMAS DE ABORDAGEM

Posta a questão dessa maneira, fica claro que o caminho escolhido não poderia ser o da biografia, fosse ela escrita em chave psicológica ou em intelectual; nem o da sociologia, seja a dos intelectuais ou a de suas instituições; nem o da história das mentalidades, com o seu enfoque nas atitudes, comportamentos e representações coletivas inconscientes. Do ângulo que aqui interessa, a chave do problema não está em saber se o autor X ou Y era aristocrata de nascença, parvenu ou membro da oligarquia decadente em busca de reclassificação social, pois, embora isso tenha que ser levado em conta, não explica por si uma estrutura teórica, uma obra de arte ou um problema científico; na verdade, não cabe explicar a qualidade ou a especificidade de um pensamento político ou produto literário pela evocação da "origem de classe" de seu autor. E ampliando, em nenhum momento a produção intelectual será lida como reflexo ideológico de grupo social preexistente – como se pudesse existir uma "classe", historicamente identificável pelo lugar que ocupa no processo de produção, e depois a sua "consciência" ou a sua "visão de mundo"17.

Não se trata, tampouco, de reduzir idéias e modos de pensar as estratégias micropolíticas das coteries as quais conferem eventualmente identidade institucional; sequer de concentrar o foco na miríade de obras medianas pelas quais determinada compreensão das coisas se refrata e se propaga, embora o exame delas seja certamente necessário para explorar todas as variáveis, compor e hierarquizar o quadro. Não desconheço, por certo, que idéias não se transformam em ideologias ou mesmo em formas de pensamento sem que sejam submetidas a processos mais ou menos sistemáticos de rotinização, nos quais autores habitualmente considerados secundários e obras logo esquecidas desempenham papéis fundamentais. Mas, por isso mesmo, convém ter em mente que vale para os processos intelectuais aquilo que Gramsci individualizou em sua nota sobre o "número e a qualidade do sistema representativo": neles o que se mede é "exatamente a eficácia e a capacidade de expansão e de persuasão das opiniões de poucos, das minorias ativas, das elites, das vanguardas etc., etc., isto é, sua racionalidade ou historicidade ou funcionalidade concreta" (Gramsci, 2000:82). Nessas condições, não há como fugir do suposto segundo o qual as obras mais significativas, os textos fundamentais, as criações teóricas mais típicas são mais capazes – porque mais coerentes, mais amplas, mais profundas e mais autônomas – de revelar a natureza de uma época e a consistência de uma concepção política, de permitir aos homens a tomada de consciência do que fazem e de extrair todas as implicações de sua própria situação. Nesse sentido, é exemplar a reação provocada pela leitura de Formação Econômica do Brasil em Oswaldo Aranha, relatada pelo próprio Celso Furtado. "Celso, você me explicou o sentido do que fizemos nessa época; então eu não sabia de nada"18. A análise, é claro, destaca apenas um aspecto específico de um conjunto mais vasto, mas a perspectiva mobilizada permitirá interpelar as idéias de determinados autores – aí sim, sem reducionismos – como momentos da constituição de atores específicos, como tentativas de diagnosticar e resolver problemas reais, de dirigir política e culturalmente a ação de forças sociais determinadas.

Com Löwy, em nenhum momento estou sugerindo que análise desse tipo seja incompatível com o reconhecimento do papel determinante das condições econômicas e sociais. Mas reconhecer essa compatibilidade não implica supor que idéias e formas estejam em conformidade direta com o desenvolvimento geral da sociedade, possam ser dissolvidas em seus contextos (políticos, econômicos ou mesmo lingüísticos), reduzidas a movimentos políticos conjunturais, descritas necessariamente como homólogas aos grupos sociais ou às instituições onde nascem. Claro, formas e idéias não caem do céu, não governam o mundo, não podem ser pensadas a qualquer momento nem em qualquer contexto histórico, estão enraizadas nas condições materiais de vida, são – para usar a feliz formulação de Carlos Nelson Coutinho – "expressões condensadas de constelações sociais, meios privilegiados de reproduzir espiritualmente as contradições reais e, ao mesmo tempo, de propor um modo novo de enfrentá-las e superá-las" (Coutinho, 2000:9). Por isso mesmo, não podem ser tomadas isoladamente, correlacionadas caso a caso com eventos, grupos ou fenômenos sociais; são antes resultantes, traduzem relações existentes entre grupos no interior da sociedade global, são momentos não apenas constituídos, mas constituintes dessas relações – sem contar que, quando realmente significativas, sobrevivem aos seus contextos de origem, são universalizáveis e podem ser interpeladas a partir de outras condições e perspectivas. Como observa Marx, "[...] a dificuldade não está em compreender que a arte grega e a epopéia estão ligadas a certas formas de desenvolvimento social. A dificuldade reside no fato de nos proporcionarem ainda um prazer estético e de terem ainda para nós, em certos aspectos, o valor de normas e de modelos inacessíveis" (1974:131).

Por isso mesmo, em um trabalho exploratório como este, o caminho mais seguro é ir das idéias e das formas ao social – na verdade, tomar as formas como cristalizações do social, decantações da experiência – sob pena de introduzir na análise pressupostos deterministas e de cancelar a priori a riqueza das mediações (Ehrard, 1977:181-184). Do mesmo modo, não se trata de riscar linhas retas entre ideologia e forma de pensar, interpretação do país e linha política que dela possa ser "deduzida", de julgar que, dada esta teoria, se segue aquela política – até porque tais relações estão longe de ser diretas e unívocas. Na verdade, o significado que uma teoria, idéia ou interpretação acaba adquirindo, mesmo no contexto em que foi produzida, nem sempre coincide com a intenção de quem a formula e com o público que a acolhe. Por mais sistemático e coerente que um conjunto de idéias seja, seu desenvolvimento jamais é inteiramente imanente, mas sempre em resposta a problemas reais; ele não apenas se presta, dentro de certa margem de tolerância, a atualizações e reconstruções, como pode dar margem a diferentes políticas – a não ser que aceitemos a metodologia stalinista segundo a qual o traidor e a traição estavam em germe no desviante desde criancinha, ou essa profecia retrospectiva que toma ação e teoria "condenáveis" hoje como o produto necessário do que o indigitado escreveu 30, 40 anos atrás. Se for assim, é claro que o sentido – progressivo ou regressivo – de cada particular expressão do conservantismo, do liberalismo, do socialismo liberal ou do comunismo não existe em si mesmo, só pode ser estabelecido em função da natureza dos problemas postos pela sociedade em um determinado momento de seu desenvolvimento, e da capacidade de seus portadores de dar respostas à altura tanto desses dilemas históricos como das exigências do dia.

Nada disso impede, no entanto, o reconhecimento das determinações mais gerais a que chegou o processo ideológico brasileiro, a detecção não apenas do, digamos, liberalismo em geral, mas das determinações mais gerais do liberalismo ou do conservantismo tal como eles se desenvolveram no Brasil, o destaque do que há de comum entre diferentes manifestações históricas da mesma orientação básica. É evidente que esse caráter geral, "este elemento comum que se destaca através da comparação, é ele próprio um conjunto complexo, um conjunto de determinações diferentes e divergentes" (Marx, 1974:110). O intuito, claro, é demarcar a existência, no plano das idéias e das formas de pensar, de continuidades, linhagens, tradições, o que, convenhamos, não é de pouca monta em um país e em uma historiografia que insistem – a seco, com tristeza, ou ironicamente, o efeito é o mesmo – em dizer que a vida intelectual nunca deixou de ser o passatempo de senhores ociosos, que nunca houve conservadorismo entre nós porque entre eles não há pensamento, o liberalismo foi sempre de fachada, o socialismo não passou de amálgama entre positivismo e estupidez etc.

Com todas essas ressalvas, penso que o recorte acima proposto é pertinente. Posta a hipótese, eis o corolário: tendo como matéria a "imundície de contrastes" de que falava Mário de Andrade – pois, "como sucede com todos os outros povos americanos, a nossa formação nacional não é natural, não é espontânea, não é, por assim dizer, lógica" (Andrade, 1978:8) –, nem por isso a vida ideológica brasileira é aleatória; faz, ao contrário, sistema e sentido, embora seja (ou tenha sido) descontínua, sujeita a ciclos de substituição cultural de importações que, por vezes, parecem fazer tábula rasa de todas as anteriores configurações. Qualquer que seja a consciência de sua própria história, ou o grau em que reconhecem os seus próprios ancestrais, suas principais correntes não nasceram ontem e não se explicam apenas em função das conjunturas. Se for assim, então a reflexão sobre essa história e seus ciclos intelectuais pode ser uma boa porta de entrada para compreender e explicar a natureza e os limites dos projetos políticos que buscam hoje dirigir os processos de reconstrução do capitalismo brasileiro, de aprofundamento ou contenção da democracia política, e de inserção autônoma ou subalterna do país no movimento do mercado mundial.

FORMAS DE PENSAR

Ora, qualquer tentativa de definir a visão do país e o programa político da corrente conservadora brasileira – que foi responsável no século XIX pela construção do Estado e pela manutenção da unidade territorial, forneceu no século XX a diretriz básica da ação dos grupos políticos e das burocracias dominantes no país (do tenentismo e do primeiro varguismo ao geiselismo, de Agamenon Magalhães a Antonio Carlos Magalhães), e cuja origem intelectual remonta em boa medida ao visconde de Uruguai e a Oliveira Vianna (Carvalho, 2002)19 – reconhecerá que eles se assentam na tese de que não é possível construir um Estado liberal (e democrático) em uma sociedade que não seria liberal. Sua conseqüência prática é que esta precisa ser tutelada e a centralização política e administrativa afirmada. A imagem do Brasil que emerge do pensamento conservador é a de que esse é um país fragmentado, atomizado, amorfo e inorgânico, uma sociedade desprovida de liames de solidariedade internos e que depende umbilicalmente do Estado para manter-se unida. Nesta terra de barões, onde "manda quem pode, obedece quem tem juízo", o homem comum só costuma encontrar alguma garantia de vida, liberdade e relativa dignidade, se estiver a serviço de algum poderoso. Fora disso, estará desprotegido – a não ser que o Estado intervenha. Ao contrário da Europa e dos Estados Unidos, aqui o Estado não deveria ser tomado como a principal ameaça à liberdade civil, mas como sua única garantia.

Criticando os liberais por sua cegueira diante da realidade e pela tentação de transplantar as instituições de além-mar, Oliveira Vianna sugere que, nessa sociedade de oligarquias "broncas", a democracia política constitui a grande ilusão. Seu aparato institucional pesado, lento, ineficiente e corrupto não dá conta dos dinamismos e desafios do mundo moderno, sua subserviência ao sufrágio universal e aos partidos – que não passam de quadrilhas irmanadas contra o bem comum –, apenas entrega o Estado de pés e mãos atados aos interesses privatistas e aos coronéis, sua crença no poder local promove as curriolas e sumidades de aldeia. Seria importante, em conseqüência, retomar a obra centralizadora dos "reacionários audazes" do Império. Tratar-se-á de educar as elites, evitar a luta de classes, dar prioridade à construção da ordem sobre a liberdade, dar independência ao Judiciário, limitar as autonomias estaduais, organizar a população por meio de corporações, e construir uma sociedade civil (civilizada) por meio da ação racional de um novo Estado centralizado. E só depois – se é que haveria um depois! – admitir a democracia política. Paradoxalmente, vale aqui a boa ordem européia: só depois de garantida a liberdade civil é que deveríamos nos lançar à construção da política.

A predominância da autoridade sobre a liberdade resultaria também, e principalmente, da inorganicidade e atomização da sociedade: sem um Estado forte, tecnicamente qualificado, imune à partidocracia e à política dos políticos, capaz de subordinar o interesse privado ao social, controlar os efeitos diruptivos do individualismo possessivo, do mercado etc., ambas não sobrevivem. Além disso, em um território cuja geografia conspira contra a política, a nação só tem chance sobre os escombros da federação. Liberdade civil, unidade territorial e nacional garantida pela centralização político-administrativa, e Estado autocrático e pedagogo, eis o programa conservador.

Do lado liberal, trata-se de buscar, como na Nova Inglaterra, "o maior progresso de sociedade pela maior expansão da liberdade individual" (Tavares Bastos, 1976), o que, no caso de país paradoxal como o nosso, exige um projeto claro de reconstrução do Estado, sem o qual esta não se implementa. Todo o dilema tem a ver com a distinção entre centralização política e descentralização administrativa em um país que sempre teve dificuldades em separá-las, com as relações que devem ser estabelecidas entre o poder central e os poderes provinciais a serem revigorados, entre as instituições eletivas e as nomeadas, entre um Legislativo soberano de um lado e um Executivo responsável de outro, com o papel que deve caber a um Judiciário forte em uma ordem política encimada por um – explícito, como no Império, ou implícito, como em quase toda a República – Poder Moderador. Nesta ótica, a questão determinante é, pois, a da forma do governo, sem cuja resolução a democracia brasileira continuará um lamentável mal-entendido.

Tanto quanto os "idealistas orgânicos", o "idealismo constitucional" dos liberais afirma a centralidade do papel do Estado na formação social brasileira, com a radical diferença de que para os primeiros é o caráter inorgânico da sociedade que põe a necessidade de um Estado forte que a tutele e agregue, enquanto, para os segundos, é a presença do Estado todo poderoso que sufoca a sociedade e a fragmenta. Aqui, a nefasta independência do Estado perante a sociedade civil – o nascimento do Estado antes da Sociedade Civil, seu predomínio abusivo, a fatalidade dos indivíduos e grupos sociais que vivem do e pelo Estado – parece ser não um resultado das condições de ocupação do território, da dispersão geográfica dos grupos humanos e das escolhas a contrapelo das elites políticas fundadoras do Império e da Segunda República, como entende a estratégia analítica dos organicistas, mas um pressuposto que se assenta na história interna da metrópole, na transmigração oceânica do Estado português e na reiteração severa e avara da cultura das origens (idem:29 e ss.)20.

Feito esse diagnóstico e a crítica do Estado brasileiro (e da cultura política cartorial que ele gera) do ponto de vista, digamos, da "sociedade civil" manietada, a estratégia constitucionalista – seja ela reformista como nos revoltosos mineiros e paulistas de 1842, federalista como em A Província, revolucionária, como na primeira edição de Os Donos do Poder, e mesmo radical conservadora como no programa de reformas neoliberais da década de 90 (que evidentemente abandona vários preceitos do liberalismo clássico, como os que particularizam Tocqueville, Stuart Mill, Tavares Bastos ou Joaquim Nabuco) – está voltada para restringi-lo ao necessário para que a "autonomia" daquela sociedade se afirme, isto é, para que as dialéticas entre liberdade individual e associativismo, entre representação e opinião pública, entre interesse privado e nacional possam fluir – e a sociedade global possa, enfim, ser reconstruída.

O que faz a peculiaridade "idealista constitucional" dos liberais é, entretanto, e como notou Oliveira Vianna, a preocupação com as formas, a confiança no poder da palavra escrita, a crença em que a boa lei produziria a boa sociedade, a idéia segundo a qual os problemas do país são fundamentalmente políticos e institucionais, e só serão resolvidos por meio de reformas políticas, a insistência em que, na ausência destas, reformas econômicas e sociais não seriam possíveis ou não se sustentariam. Dito de forma positiva, a categoria chave da estratégia liberal é a da "construção institucional", historicamente cumulativa (Lamounier, 1999). Não cabe, por isso mesmo, aceitar a priori o adjetivo "utópico" que Oliveira Vianna (e uma longa tradição que apoda os liberais) pespega como sinônimo de "constitucional", não só por considerar que o utopismo não é prerrogativa destes, como também por supor que o "idealismo orgânico", hegemônico na maior parte da história política monarquista e republicana, não sobrevive aos próprios critérios que servem para condenar os "constitucionais": nas próprias palavras daquele autor, "a disparidade que há entre a grandeza e a impressionante euritmia de sua estrutura e a insignificância de seu rendimento efetivo" (Oliveira Vianna, 1939:10-11)21.

Coerente com os seus pressupostos, o liberalismo brasileiro – monarquista ou republicano – toma a questão da representação como decisiva, propõe o federalismo (eventualmente) e o parlamentarismo, reconhece a necessidade de um Executivo forte, defende a independência e o papel de árbitro constitucional do Judiciário, em cuja aristocracia deposita boa parte de suas esperanças de preservação da liberdade, e pensa a ação e a organização da vida política como um espaço cujo centro é o Parlamento, que deveria funcionar como uma espécie de tribunal, no qual a verdade ou o melhor resultado emerge por meio da exposição dos argumentos e réplicas, do choque agônico e não antagônico de interesses, e das prudentes composições entre as partes, todas supostamente livres e autônomas em relação ao mundo exterior, e movidas essencialmente pela preocupação em promover o bem público22.

De todos esses aspectos, o federalismo talvez tenha sido o menos compartilhado. Não apenas a questão da representação, reconhecendo-se a estrutura unitária do Estado, pesa mais, como poucos intérpretes do Brasil se deixaram por ele empolgar. Esporadicamente, o federalismo converteu-se em tema de pesquisa científica, como agora, impulsionado pela crise do Estado e do regime presidencialista, e pela guerra fiscal no quadro da Constituição de 1988. Entre os que pensaram o país, a grande exceção, é claro, é Tavares Bastos, e com ele, toda a corrente abolicionista – Nabuco, Rebouças, Ruy – que postulou uma monarquia federativa como forma de fazer a abolição e salvar a monarquia; derrota em que não faltou a marca das tragédias pessoais23. A opção mais radical talvez tenha sido a de Ruy, seja por ter percebido antes dos demais a incompatibilidade entre Monarquia e Federação, seja porque esta era mais importante do que a República, a ela aderindo somente quando se convenceu que a monarquia não a implantaria.

Se raro foi o federalismo como reflexão e ideologia, a federação "é um fenômeno do nosso passado todo", como disse Nabuco ao propor em 1885 a bandeira ao Partido Liberal e ver-se ridicularizado por este; por isso mesmo, ele esteve subjacente à política brasileira seja como aspiração autonomista (como em Frei Caneca ou nos Farrapos24), e até separatista (como em Alberto Salles (1983), para quem a separação era o ponto de partida de um processo cujo fim era a federação25), de elites regionais, seja como instrumento de contenção do autoritarismo do Estado (como nas lutas antiditaduras do século XX). De fato, ao lado do medo pânico diante das revoltas plebéias e pelo risco que poderia representar à preservação da escravidão, ele foi um dos fantasmas políticos por trás da opção dos pais fundadores pelo Estado unitário e centralizado, quando a geografia e a administração descentralizada dos séculos precedentes (pelo menos até a civilização das minas gerais e a experiência pombalina) apontavam em outra direção; opção tornada definitiva pelos "reacionários audazes" que trataram a pontapés as revoltas regenciais sempre que elas ameaçaram transbordar os limites do conflito intra-elites; e reinventada pelas políticas industrializantes – e pelas duas ditaduras – que moldaram boa parte do Brasil moderno.

O federalismo, entretanto, jamais foi via de mão única, seja porque abraçado por diferentes grupos sociais e interesses, seja porque o seu sentido – progressivo ou regressivo – variou segundo as conjunturas históricas, isto é, de acordo com a natureza dos problemas postos na ordem do dia. De qualquer maneira, seja conectada à orientação com a qual foi historicamente confundida – quando a defesa da descentralização ou da federação se confundia com os interesses das oligarquias regionais –, seja recuperada pelo que representa de promessa de pluralidade e de elemento de negação da via prussiana de desenvolvimento capitalista que acabou se efetivando, a bandeira federalista parece condenada a reencarnar ciclicamente, vale dizer, em toda conjuntura crítica que coloque em tela o contrato social, a reformulação do arranjo de poder do país. Talvez por isso mesmo, sua influência, ainda que débil, não tenha se limitado ao campo liberal estrito senso, tornando-se peça central, por exemplo, da reflexão de Celso Furtado, segundo Chico de Oliveira o único dos "intérpretes do Brasil" a levá-la a sério, ao arquitetar um "federalismo regionalizado cooperativo" como instrumento de impedir a exclusão do Nordeste e evitar a implosão da nação pela radicalização de suas disparidades internas (Oliveira, 2003:80-81)26; e da corrente comunista paulista do "poder local", que, na década de 60 e com base em uma releitura do papel dos estados na Revolução de 1930 e no Golpe de 1964, confrontou o unitarismo e o antiliberalismo do prestismo e da esquerda que aderia à luta armada, propondo ao contrário o longo caminho das instituições, isto é, uma estratégia eleitoral de cerco do poder central pela conquista de prefeituras dos centros metropolitanos e de governos dos principais estados (Brandão, 1989).

TEMPORALIDADES

Delineado o campo analítico, recortado o objeto e formuladas as hipóteses para estudá-lo, cabe agora especificar que o esforço para desentranhar "afinidades eletivas" entre pensadores ou teorias, continuidades subterrâneas de longa duração e nem sempre percebidas pelos próprios autores-atores etc., nada tem a ver com a busca de "matrizes ideológicas transepocais" – para usar a linguagem do saudoso José Guilherme Merquior em sua crítica a O Espelho de Próspero, de Richard Morse, que raciocinaria como se existisse uma "cultura política cuja forma mentis foi elaborada pela Espanha filipina e não obstante perdura até hoje (Merquior, 1989:13)"27. Não se trata sequer de imaginar no plano das constelações ideológicas – ainda que esta seja a esfera do real que muda mais lentamente e tenha maior capacidade de sobrevivência – uma espécie de reprodução dessa história imóvel de cinco séculos que, pela direita e pela esquerda, algumas das "interpretações do Brasil" injetaram no senso comum, teorias segundo as quais o que viria a ser a sociedade brasileira já estava prefigurado civil e economicamente tão logo o português aqui montou a primeira feitoria ou começou a produzir para o mercado mundial. Ao contrário, há que partir da altíssima taxa de mortalidade das iniciativas intelectuais de se haver com nossa experiência, de reconhecer que a história das idéias, das ideologias e das teorias políticas é, em grande parte, um vasto cemitério, de tal maneira que a constituição de "famílias intelectuais" e formas de pensar é mais um resultado do que um pressuposto – padrões que se constituem ao longo de reiteradas tentativas, empreendidas aos trancos e barrancos por sujeitos e grupos sociais distintos, de responder aos dilemas postos pelo desenvolvimento social.

De fato, ainda que deitem raízes em uma formação histórica particularmente adversa, as matrizes intelectuais passíveis de rastrear só poderiam existir em uma sociedade na qual o capitalismo já se houvesse enraizado, quer dizer, não apenas a partir da precoce opção pelo "espírito do capitalismo", mas também quando (e porque) este já lograra ocidentalizar ou criar boa parte das instituições locais, de tal modo que a civilização que aqui se armava passara a estar, como diria Euclides da Cunha, condenada ao progresso28. Nesses termos, a investigação delimita como ponto de partida que a ruptura básica na curta história de cinco séculos se dá com os oitocentos, e especifica que, por mais que haja continuidade entre a Colônia e o Império, ou entre o Império e a República, a criação do Estado político e a liquidação do escravismo colonial – faces do mesmo fenômeno, ainda que dilatadas no tempo – introduzem descontinuidades que redefinem o conteúdo e a profundidade daquela, refutando a idéia de uma história sempre a mesma. Como diz Caio Prado Júnior, o século XIX,

"[...] marca uma etapa decisiva em nossa evolução e inicia em todos os terrenos, social, político e econômico, uma fase nova [...]. O seu interesse decorre sobretudo de duas circunstâncias: de um lado, ela nos fornece, em balanço final, a obra realizada por três séculos de colonização e nos apresenta o que nela se encontra de mais característico e fundamental, eliminando do quadro ou pelo menos fazendo passar para o segundo plano, o acidental e intercorrente daqueles trezentos anos de história. É uma síntese deles. Doutro lado, constitui uma chave preciosa e insubstituível para se acompanhar e interpretar o processo histórico posterior e a resultante dele que é o Brasil de hoje" (1957:5)29.

Tais matrizes intelectuais são, portanto, produtos, resultados de processos para os quais concorreram múltiplos fatores; embora conhecidas, só puderam ser reconhecidas quando o tecido social adquiriu certa densidade, a sociedade internalizou seu "centro de decisão", intelectuais e grupos encontraram nas ciências sociais o instrumento adequado para pensar sobre si próprios; e na medida em que conseguem constituir, ao longo de dramáticos processos de substituição cultural de importações e por débil que seja, cultura em sentido sartreano, vale dizer, por destilar uma série de problemas, interpretações, formas de abordagem da realidade do país, controvérsias, êxitos ou fracassos analíticos e políticos, que vão constituir um fundo comum ao qual as novas leituras vão sendo obrigadas a se referir no enfrentamento das questões postas pelas circunstâncias históricas30.

Por isso mesmo, e novamente, não se trata de postular enteléquias que pairam acima dos processos sociais, e muito menos de enxergar sempre no novo o antigo, como costuma ocorrer com os que vêem em tudo a "consciência conservadora", o "estamento burocrático", o "formalismo", a "conciliação" etc. Nada garante, nos momentos em que surgem – confrontando-se sobre o Império, como durante a crise do Segundo Reinado – ou são reinventadas – como nas críticas ao liberalismo e ao republicanismo da Primeira República e mesmo no choque entre desenvolvimentismo e liberalismo em meados do século XX –, que serão elas e não outras que se cristalizarão. Como costuma ocorrer com fenômenos socialmente significativos, também aqui tais formas de pensar, pressupostas, só sobrevivem se forem repostas pelo evolver do desenvolvimento histórico, não sendo possível definir com antecedência quais de seus conteúdos substantivos e esquemas intelectuais sobreviverão; e cada reposição, cujo alcance e profundidade nem sempre se dá imediatamente à consciência, expressa uma mudança de qualidade (para frente ou para trás) no fenômeno ideológico e no próprio processo histórico.

O PROBLEMA: CONTINUIDADE ENCAPUZADA

Na verdade, uma das mais claras manifestações da rarefeita história cultural e ideológica brasileira é que, embora esta seja uma das formas pelas quais os intelectuais costumam construir suas identidades, nem sempre é, ou não era verdadeiramente, possível situá-los analiticamente em "escolas", "instituições", correntes e tendências coletivas – pretensão que muitas vezes não passa de wishful thinking (dos atores) ou arbitrárias imputações (dos analistas). A vontade de ver "o que ainda não existe, a nação" tem sido responsável por esse singular anacronismo institucionalista que consiste em secionar disciplinar e institucionalmente onde a atividade cultural é incipiente e não há instituições consolidadas e tipos intelectuais e políticos nitidamente diferenciados. O analista assume como critério de verdade o que o ator pensava de si mesmo, toma como boas descrições da realidade as denominações tribais com que cada indivíduo ou grupo lutava para firmar posição em geral tendo como referência alguma firma intelectual européia – nem sempre grande, mas sempre pensada como tal – da qual se pretendia representante no trópico (Alonso, 2002:32 e introdução). Talvez a crítica mais incisiva deste anacronismo tenha sido de Mário de Andrade, que desconfiava das generalizações apressadas e das críticas prematuramente sintéticas e que, em matéria de pensamento político-social brasileiro, mandava analisar autor por autor, quem sabe obra por obra, antes de se lançar às construções típico-ideais. Como diz em artigo de 1943 contra Tristão de Athayde, considerado então o mais importante crítico do modernismo.

"Como crítico literário, Tristão de Ataíde sofria dos defeitos por assim dizer já tradicionais da crítica literária brasileira desde Sílvio Romero. Nesta barafunda, que é o Brasil, os nossos críticos são impelidos a ajuntar as personalidades e as obras, pela precisão ilusória de enxergar o que não existe ainda, a nação. Daí uma crítica prematuramente sintética, se contentando de generalizações muitas vezes apressadas, outras inteiramente falsas. Apregoando o nosso individualismo, eles socializam tudo. Quando a atitude tinha de ser de análise das personalidades e às vezes mesmo de cada obra em particular, eles sintetizavam as correntes, imaginando que o conhecimento do Brasil viria da síntese. Ora, tal síntese era, especialmente em relação aos fenômenos culturais, impossível: porque como sucede com todos os outros povos americanos, a nossa formação nacional não é natural, não é espontânea, não é, por assim dizer, lógica. Daí a imundície de contrastes que somos. Não é tempo ainda de compreender a alma-brasil por síntese. Porque nesta ou a gente cai em afirmações precárias, e ainda por cima confusionistas, como Tristão de Ataíde quando declara que o sentimento religioso 'é a própria alma brasileira, o que temos de mais diferente (sic), o que temos de mais nosso' (:278); ou então naquela inefável compilação de fichário de Medeiros de Albuquerque que censurava um poeta nacionalista por cantar o amendoim 'frutinha estrangeira, talvez originária da Síria'" (Andrade, 1978:8, grifos no original).

Não é o caso de discutir em pormenor esse programa de pesquisa, essa mistura de niilismo e bom senso que consiste em pôr entre parêntesis toda e qualquer tentativa de interpretar a evolução literária e intelectual brasileira como conjunto, para concentrar os esforços nos fragmentos porque as trajetórias individuais são erráticas, e o terreno social e ideológico no qual pisam parece mais um atoleiro. De qualquer modo, de lá para cá ele foi em parte realizado – pelo razoável acúmulo de estudos monográficos sobre autores e movimentos culturais etc. – e, como tal, superado, sem abrir mão, o que teria sido estupidez, das interpretações abrangentes, como, aliás, a própria crítica literária explorou mais e melhor do que ninguém.

Tirando de lado seu mau-humor, o fato é que, além de se livrar das bobagens sobre o "caráter nacional", Mário de Andrade, entre outros, flagrou o substrato real da vida intelectual brasileira e, em conseqüência, a dificuldade de apanhar o que, referindo-se à música popular sofisticada, Caetano Veloso denominou certa vez de "linha evolutiva" da cultura brasileira. Para evitar qualquer teleologia, talvez deva falar sempre no plural: as linhas evolutivas. De qualquer maneira, a dificuldade de detectá-la(s) não é apenas acadêmica, mas tem a ver com um problema real: seja qual concepção se tenha do que deva ser a "nação", o fato é que, comparada com outras (com as nações, digamos assim, cuja construção não foi obra exclusiva de suas elites a cavaleiro do Estado, mas contou com a participação ativa das classes subalternas, as quais por sua vez conseguiram forçar a porta da nova ordem e tomar acento, ainda que lateral, à mesa), a brasileira continua a ser marcada por heterogeneidades estruturais, desigualdades entranhadas e existência de grupos sociais com restritas possibilidades ou capacidades de secretar as instituições e valores que dariam suporte à sua atividade espiritual e política.

Não há nenhuma novidade nessa enunciação, cuja naturalidade foi exaustivamente investigada por nossa sociologia política durante a segunda metade do século XX. Cabe talvez acrescentar que a "imundície de contrastes" por Mário de Andrade nomeada é conseqüência necessária, talvez inevitável, do processo pelo qual o tipo de organização social que aqui se instaurou consagra a dissociação entre "sociedade civil" e "Nação"; estrutura e dinâmica tão arraigadas que mesmo o extraordinário progresso obtido no terreno da democratização política nas últimas décadas tem sido insuficiente para cancelar a "variedade especial de dominação burguesa" de que falava Florestan, "a que resiste organizada e institucionalmente às pressões igualitárias das estruturas nacionais da ordem estabelecida, sobrepondo-se e mesmo negando as impulsões integrativas dela decorrentes" (Fernandes, 1976:302)31. Desse ponto de vista, as conseqüências sociais e ideológicas desta situação afetam todas e cada particular manifestação cultural e política, bem como todo e qualquer grupo social ou intelectual no país.

Em um quadro como esse, em que linhas quebradas escondem ou se superpõem a continuidades subterrâneas, não será surpresa constatar que tais "linhas evolutivas", "famílias intelectuais" ou "formas de pensar" não são naturais nem imediatas. De fato, as conexões e continuidades entre representantes de uma mesma tendência ou família intelectual não são dadas espontaneamente, não fazem parte da experiência existencial dos grupos intelectuais e políticos; nossas linhagens não são do tipo que podem ser assumidas orgulhosamente. Fazendo uma comparação: o senador Giorgio Amendola disse certa vez no Senado italiano: "meu bisavô era mazziniano, meu avô era garibaldino, meu pai antifascista, eu sou comunista – esta é a marcha da civilização na Itália". Importa pouco aqui que a história não tenha corroborado a conclusão do argumento, o ponto é que continuidade espiritual desse tipo jamais pôde ser cabalmente estabelecida para o Brasil, ainda que, para determinados grupos conservadores, o Império funcione como uma espécie de idade de ouro da política. Reconhece-se certamente alguma relação entre Pedro I, visconde de Uruguai e Getulio Vargas, mas, seja como for, esta raramente foi uma relação existencial, vivida, mas quando muito intelectual. Em outros termos, trata-se de algo que tem de ser reconstruído intelectualmente para poder ser apropriado experimentalmente. Nesse sentido, sua intelecção depende do momento histórico, isto é, do grau de consciência de que os atores adquiriram de sua própria herança, o que supõe, por outro lado, exploração empírica sistemática e trabalho teórico prévio, sem as quais tais formas não serão expostas à luz, incorporadas à experiência.

Se a comparação acima cabe – além da Itália, vale lembrar os efeitos culturais dos casos "prussianos" de desenvolvimento do capitalismo, bem explorados pela historiografia –, a fragmentária história brasileira levou a que os pensadores começassem várias vezes do zero, freqüentemente ignorando os que antes deles chegaram a diagnósticos parecidos e soluções similares, descobrissem por conta própria uma série de formulações antecedentes, tivessem precária consciência daqueles que, no passado, adotaram perspectivas "metodológicas" confluentes. Convém observar que este é um fenômeno distinto daqueles investigados à exaustão pela sociologia da ciência: dado o caráter coletivo da atividade científica, há sempre a possibilidade de que pesquisadores façam quase ao mesmo tempo as mesmas descobertas – elas estavam, por assim dizer, no ar, na atmosfera que todos respiravam – ou mesmo reprimam inconscientemente a influência que outros, especialmente mestres, adversários e mortos, exerceram sobre eles. Nada disso elimina o caráter coletivo e acumulativo dessa atividade. No plano que estamos tratando, ao contrário, o encontradiço é a ocorrência de grupos intelectuais (e políticos) novos que se comportam como se a história começasse com eles, como se existisse um grau zero na política ou em qualquer atividade coletiva. Contrapartida de sua percepção da história sempre a mesma, a novidade que esses grupos encarnam irrompe no cenário (político ou cultural) como negação radical de tudo que "aí está"; e só depois de umas tantas desilusões é que se percebe – quando se chega a perceber! – sua homologia com tentativas pregressas, contra as quais se batia, de lidar com os mesmos dilemas históricos e sociais.

Para tomar dois ou três exemplos no plano estritamente intelectual, não deixa de ser surpreendente que o mais vigoroso intérprete liberal da história brasileira, Raymundo Faoro, não reconheça analítica nem politicamente Tavares Bastos como o seu ancestral, embora possa e deva ser lido como um grandioso prolongamento deste em contexto radicalmente modificado. O fato de Os Males do Presente e as Esperanças do Futuro ser um brilhante panfleto e Os Donos do Poder, um clássico da história política, um essencialmente federalista e o outro não, não deve obscurecer a substancial similaridade do andamento analítico e do diagnóstico do país, em que pese visíveis diferenças de avaliação de determinados atores e conjunturas, como na desqualificação das revoltas regenciais e na crítica aos liberais do Império, com a qual Faoro (1973) conflui surpreendentemente com o juízo depreciativo tornado hegemônico pelos conservadores na historiografia brasileira. Na mesma direção, Maria Sylvia de Carvalho Franco e Maria Isaura Pereira de Queiroz são capazes de escrever brilhantes livros sobre o trágico destino dos homens livres em uma formação escravocrata e sobre o caráter estrutural e não apenas histórico do mandonismo na sociedade brasileira, e Oliveiros S. Ferreira de propor uma inteira interpretação sobre os fundamentos da crise e dos dilemas latino-americanos, todos eles ignorando ou não explicitando o quanto suas análises, sem serem necessariamente conservantistas, são tributárias ou confluentes com as de Oliveira Vianna32. E foi preciso passar um século de experiência republicana para que elaboração tão estratégica dos fundamentos desta como a de Ruy Barbosa pudesse ser reivindicada sem complexo de inferioridade pelos liberais e posta novamente em circulação, como parecem indicar O Liberalismo e a Constituição de 1988, no qual o organizador Vicente Barreto teve a feliz idéia de alinhar os artigos correspondentes da primeira e da última constituição republicana, e de usar os comentários de Ruy à de 1891 como se fosse à de 1988; e principalmente o ensaio de Bolívar Lamounier sobre o líder do movimento civilista e a construção institucional da democracia brasileira33.

De qualquer maneira, o conservantismo parece ter sido capaz de plasmar inteiras formações intelectuais, como a dos saquaremas no Império ou a do pensamento autoritário dos anos 1930, enquanto algumas das melhores leituras liberais parecem façanhas de personalidades brilhantes isoladas (mais uma vez vem à mente Tavares Bastos, cujas idéias corporificaram o primeiro projeto específica e globalmente capitalista para o país e logo caíram no ostracismo por ausência de portadores sociais; e Raymundo Faoro, cujo libelo contra o "estamento burocrático", formulado em um período quando o Estado era o repositório das esperanças nacionais, só obteve êxito década e meia depois, no momento em que este deixara de ser solução das mazelas para ser visto como o problema). Situação que, tudo leva a crer, se inverte em um momento como o atual, em que as mutações ideológicas na cultura capitalista mundial, o fracasso do socialismo como alternativa de modo de vida, a perda de capacidade hegemônica da cultura de esquerda, o esgotamento do nacional-desenvolvimentismo, a memória do comprometimento de boa parte do conservantismo com o estatismo e com o autoritarismo, a consolidação de uma sociedade de consumo de massas e a internalização dos valores individualistas possessivos na condução da vida cotidiana abriram a possibilidade de que o liberalismo – revitalizado pelo papel que desempenhou nos estertores do regime militar e engordado pelos migrantes do campo socialista e comunista em crise – se torne finalmente uma idéia dominante na formação social brasileira.

Seja como for, parece razoável considerar a precária consciência da historicidade das idéias e das formas de pensar como expressão da debilidade destas, e não é de estranhar que historicamente tenha afetado menos os intelectuais (e políticos) conservadores do que as correntes (de alguma forma) críticas ao status quo. De fato, é natural que os primeiros sejam mais conscientes dos seus laços de parentesco, pois ao contrário de seus adversários liberais ou esquerdistas – que encaram o passado como fardo e o futuro como tempestade – se nutrem do poder e fazem da continuidade não apenas a constatação de algo empiricamente existente, mas um princípio ideológico que enquadra antecipadamente a pesquisa e norteia posteriormente a ação. Mas a conseqüência dessa opacidade para os destinos da sociedade e dos agrupamentos sociais e políticos por ela afetados não é pequena: não será a consciência da herança, a possibilidade de falar em nome de uma tradição, de se legitimar como intérprete e dono da história de um país, uma das condições básicas de qualquer grupo ou elite política que aspire à direção intelectual e moral de grandes grupos sociais?

Nada disso, por suposto, tem a ver com talento individual, honestidade intelectual, relações de causalidade imediatas, ou mesmo influências ideológicas ou conceituais diretas. Ninguém duvida também que descontinuidades são socialmente inevitáveis, que tais rupturas, sendo falsas, são, não obstante, verdadeiras. Reconhecê-lo, no entanto, exige investigar tanto a estrutura dessas constelações intelectuais cuja unidade nem sempre é dada e cujas ligações nem sempre são visíveis, como as conseqüências políticas e ideológicas dessa inconsciência da historicidade das idéias e das formas de pensar; trata-se de individualizar especialmente os limites que impõem a autocompreensão dos sujeitos que a protagonizam. Desse ponto de vista, a estratégia andradina acima referida pode ser suposta na partida, mas agora a pesquisa acumulada permite avançar além dos limites fixados pelo modernista, e a análise circunstanciada torna possível dar conteúdo positivo ao que não passava então de hipótese negativa: o que "ainda não existe" cede lugar ao exame das propostas concretas de sua criação e desenvolvimento. Assim, o estudo de cada autor específico, de cada corrente, é não só guiado por hipótese global – sim, estamos diante de formas de pensar que contém modelos de sociedade e de Estado distintos e práxis relativamente diferenciadas, e não apenas de autores isolados e idéias arbitrárias, não só de diferenças de estratégia em função de objetivos que todos compartilham – como sua demonstração, longe de adiar, exige a intervenção generalizadora.

Feitas as contas, talvez o auto-esclarecimento que tal investigação propicia seja justificativa nada desprezível para a ocupação com o estudo do pensamento político-social brasileiro, este gênero reflexivo considerado a um tempo "menor" e indispensável.

NOTAS

1. O autor esclarece que a amostragem usada, restrita a lista dos cientistas sociais com os quais se corresponde pela Internet, foi de 49 intelectuais, dos quais dez são sociólogos, treze cientistas políticos, quatorze economistas, seis antropólogos, alguns historiadores e gente proveniente das áreas de direito, filosofia e administração. Citado como um dos mais influentes, o livro de Cardoso e Faletto (1970), não teria sido reconhecido como de mérito equivalente aos demais.

2. É de justiça lembrar que foi Wanderley Guilherme dos Santos quem primeiro e mais energicamente reagiu contra a tentativa de transformar divisão acadêmica do trabalho intelectual em critério de verdade, no exato momento em que tal perspectiva começava a se tornar hegemônica. Por mais reparos que se possa fazer à sua crítica da periodização da história do pensamento político brasileiro pelas etapas de institucionalização da atividade científico-social, sua reação não só criou um nicho para todos que recusavam o cientificismo – que tinha o seu momento de verdade como arma de combate contra o diletantismo intelectual – como contribuiu para legitimar na universidade o trabalho com história das idéias, ao recusar-se a vê-las como variável dependente das instituições (ver Santos, 1966; 1967; 1970). Também o termo "pensamento político-social", que a rigor seria mais adequado para caracterizar a natureza da reflexão, foi apresentado por Santos (2002) e recentemente reafirmado em seu Roteiro Bibliográfico do Pensamento Político-Social Brasileiro (1870-1965).

3. Sem esquecer o papel pioneiro do Instituto Superior de Estudos Brasileiros – ISEB em quase todos esses pontos, não dá para deixar de assinalar que o projeto da Cadeira de Política da antiga Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade de São Paulo, dirigida por Lourival Gomes Machado até os anos 60, recusava a separação entre explicação sociológica e explicação histórica – cerne do projeto do Florestan Fernandes dos anos 50 e de sua desconfiança para com a história das idéias e a tradição do ensaio histórico à qual se renderia nos anos 70 –, e privilegiava: a) a interpelação dos clássicos da teoria política, de Maquiavel a Marx e a Weber, como se depreende do programa de traduções e das teses do próprio Lourival Gomes Machado sobre Rousseau, Célia Galvão Quirino sobre Tocqueville, Oliveiros S. Ferreira sobre Gramsci, a edição de alguns dos melhores comentadores dos pensadores políticos clássicos, feita por Célia Galvão Quirino e Maria Teresa Sadek, e a coletânea tardia organizada com preocupações didáticas por Francisco C. Weffort sobre os clássicos da política; b) a história das instituições políticas, especialmente as brasileiras, abarcando desde as investigações de Paula Beiguelman sobre a formação política do país até as teorias de Weffort sobre o sindicalismo populista e a especificidade da "democracia populista" vis-à-vis a "representativa", das pesquisas eleitorais de Oliveiros S. Ferreira aos estudos de Maria do Carmo Campello de Souza sobre a evolução dos sistemas partidários na república e de Eduardo Kugelmas sobre a difícil hegemonia de São Paulo na Primeira República; e c) a história do pensamento político brasileiro e mesmo latino-americano, incluindo os estudos de Gomes Machado sobre o jusnaturalismo de Tomás Antonio Gonzaga e sobre a ligação entre o barroco e o Absolutismo, de Célia Galvão Quirino sobre a administração colonial e sobre o papel da maçonaria na Independência, de Paula Beiguelman sobre a teoria política do Império, de Oliveiros S. Ferreira sobre Haya de la Torre etc. Cf. o artigo de Célia Galvão Quirino (1994), comemorativo dos 60 anos da Faculdade. Deve-se a Lourival Gomes Machado, também, a introdução, na segunda metade dos anos 50, da disciplina "Instituições Políticas Brasileiras", até então, salvo engano, inexistente no currículo dos cursos de ciências sociais. Tudo somado, e sem negar a hegemonia da sociologia naqueles anos, permite relativizar a idéia de que a ciência política no Brasil é uma invenção dos anos 80 ou algo que tem uma pré-história nos anos 30 e 50 e depois o silêncio antes do fiat lux pronunciado pelos heróis fundadores que estudaram nas universidades norte-americanas ou foram financiados pela Fundação Ford.

4. O diagnóstico é de muitos, a expressão, salvo engano, é de Guillermo O'Donnell (1974).

5. Sobre o conceito de critical junctures, ver, entre outros, Von Mettenheim (2004).

6. Em O Idealismo da Constituição, pode-se ter um estudo mais sistemático sobre os conceitos de "idealismo orgânico" e "idealismo constitucional".

7. Cf. para a primeira, a entrevista de Antônio Candido à revista Trans/form/ação, do Departamento de Filosofia da Universidade Estadual Paulista – UNESP-Assis, em 1974, parcialmente republicada em Teresina etc. Para a segunda, o meu A Esquerda Positiva (As Duas Almas do Partido Comunista – 1920/1964), especialmente o último capítulo, em que analiso o impacto cultural e ideológico do que chamei de marxismo de matriz comunista e exploro observações feitas originariamente por Prado Júnior (1977:29), Ribeiro (1929:201) e Pedreira (1964:176-177).

8. Ver, nesse sentido, a crítica de Alexander (1999).

9. Aproveito, em função de meu objetivo, regra hermenêutica que Gabriel Cohn formulou em outro contexto, cf. Cohn (1979).

10. Embora não desenvolva o argumento, o leitor perceberá que aqui também se recusa outra premissa fundamental do contextualismo lingüístico, aquela segundo a qual o sentido de uma obra só pode ser estabelecido correlacionando-o com as intenções manifestas pelo autor. Não só tal intencionalidade poderia ser tranqüilamente reconstituída como toda interpretação só pode ser válida se compatível com ela, e de um modo que poderia ser aceito pelo próprio autor – o que na verdade supõe uma confiança irrestrita na transparência do mundo social. Sem querer simplificar demais, quem sabe uma boa olhada no capítulo sobre o fetichismo da mercadoria de O Capital ajude a matizar a questão.

11. No mesmo sentido, os trabalhos de Werneck Vianna (1977; 1999) Salvo engano, um dos primeiros a reconhecer linhagens intelectuais desse tipo foi Guerreiro Ramos em seus textos dos anos 50, mas elas só foram realmente mapeadas a partir dos estudos de Paula Beiguelman, Roque Spencer Maciel de Barros, Wanderley Guilherme dos Santos, Bolívar Lamounier, Luiz Werneck Vianna, José Murilo de Carvalho e outros. Em todos esses casos – na verdade, na maioria dos trabalhos sobre pensamento político-social no Brasil –, pesou a influência direta ou indireta dos esquemas de Karl Mannheim, especialmente os de Ideologia e Utopia e o estudo sobre o pensamento conservador. Evidentemente, cada um distingue e explica a seu modo o que considera essencial e acidental, central e periférico, o continente e as ilhas etc., mas os contornos gerais do território foram razoavelmente estabelecidos. As referências feitas acima são a: Tavares Bastos (1975); Faoro (1973); Schwartzman (1975; 1982).

12. Cf. Guerreiro Ramos (1983a; 1983b); Santos (1978); Lamounier (1985; 1981)

13. Cf. nota 7.

14. Ver especialmente os artigos de Miceli (2001a; 2001b) e de Almeida (2001).

15. A economia do texto não permitirá, adiante, aprofundar estas últimas caracterizações, que serão melhor trabalhadas em outra ocasião.

16. Löwy extrai as coordenadas do conceito em Goethe e Weber, mas o uso que dele faz para a história intelectual ultrapassa largamente suas fontes. A idéia da mistura tão encontradiça entre ética de "esquerda" e epistemologia de "direita" foi formulada com ânimo polêmico por Georg Lukács (2000) no prefácio de 1962 à reedição de A Teoria do Romance.

17. Neste ponto, a referência fundamental continua a ser Thompson (1987:9).

18. Cf. a intervenção de Celso Furtado na mesa redonda "A Revolução de 30 em Perspectiva: Estado, Estrutura e Poder e Processo Político". A citação completa é: "O controle de câmbio não surgiu de uma escolha e sim da necessidade de sobreviver face à brutal baixa da entrada de divisas. Ninguém queimou café por masoquismo e sim para reduzir os imensos gastos de armazenagem e a pressão dos estoques sobre o mercado internacional. Ninguém dirá que José Maria Whitaker, o ministro da Fazenda da época, tinha idéias econômicas diferentes das de Murtinho, como também não demonstrara tê-las Getulio Vargas quando ocupara a pasta da Fazenda do governo Washington Luís. Evidentemente, as mentes menos dogmáticas, menos formadas ou deformadas pelas idéias ortodoxas sobre equilíbrio orçamentário, inflação etc., tenderam a prevalecer. Anos depois tive com Oswaldo Aranha uma conversa sobre esses acontecimentos e ele me observou: 'Celso, você me explicou o sentido do que fizemos nessa época; então eu não sabia de nada'" (Furtado, 1983:716-717).

19. Além da apresentação de José Murilo, outra cuidadosa análise do pensamento do visconde pode ser encontrada em Ferreira (1999).

20. No mesmo sentido, ver Faoro (1973).

21. Nesse sentido, ver a nota "O fracasso dos conservadores", publicada em Política Democrática.

22. A defesa clássica dessa forma de ver a política é, como se sabe, dessa figura complexa e contraditória que é Edmund Burke (1999). Talvez seja o caso de chamar a atenção para a similaridade com o modelo habermasiano (ver Habermas, 1997). Para uma caracterização negativa do "governo pela discussão", ver Schmitt (1992).

23. Sobre Tavares Bastos, cf. Rego (2002); e o livro de Ferreira (1999).

24. Cf. Bernardes (2001); Mello (2004); Flores (1982) e Pesavento (1990), entre outros.

25. Influenciado por Spencer, Salles vê a federação não apenas como um arranjo artificial, uma construção política, como nos federalistas norte-americanos, mas como uma lei biológica que regula as complexas funções dos organismos. Ver, nesse sentido, o seu "Catecismo republicano" (1885), republicado como apêndice ao livro de Vita (1965, esp. pp. 191-195).

26. Sobre as concepções políticas de Celso Furtado, ver Cepêda (2001). Tratei da corrente comunista em uma comunicação apresentada no XIII Encontro Anual da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Ciências Sociais – ANPOCS, em 1989, intitulada "O Poder Local: O PC às Vésperas da Cisão Marighellista", mas há referências a ela nos livros de Vinhas (1982:241) e Perrone (1988:66).

27. Merquior não nega, em princípio, a legitimidade da empreitada (como se comprova também pela simpatia e entusiasmo com que acolhe o "transepocalismo" de Os Donos do Poder, com o qual tende a concordar tanto do ponto de vista ideológico como político), mas rejeita o culturalismo e as conclusões teóricas e políticas comunitaristas e anti-racionalistas que Morse dele deriva. O tema da "Ibéria" (e da Ibéria americana) como matriz civilizacional alternativa à anglo-saxã foi também explorado por Barboza Filho (2000).

28. A referência ao "espírito do capitalismo" foi feita por Fernandes (1976:21-22, passim), para qualificar a natureza revolucionária da opção da elite fundadora do Império em um contexto em que o capitalismo estava longe de possuir bases materiais internas ao país. Florestan situa o desencadeamento da "ordem social competitiva", como se sabe, no último quartel do século XIX, com a Abolição criando as bases jurídicas e sociais sobre as quais esta se assentará. Na mesma direção, e em franco antagonismo com a historiografia que faz da nação um produto do Estado, o trabalho de Jancsó e Pimenta vem explorando as diferenças de tempo entre construção do Estado e construção da nação, entre a percepção do país e a emergência de uma identidade nacional brasileira (Jancsó e Pimenta, 1999).

29. No caso de Caio há, sem dúvida, diferenças de ênfase na periodização, com Evolução Política do Brasil acentuando a descontinuidade e a Independência como revolução, e Formação do Brasil Contemporâneo acentuando a continuidade, como mostra Costa (2003:26). Convém, entretanto, não extremar a diferença, como o próprio texto citado indica. De fato, e como adverte Costa o que interessava a Caio era mostrar, contra a historiografia conservadora, que a colônia não podia gerar nação, a emancipação política foi processo que se estendeu de 1808 a 1831 e mesmo a 1848 e que não coincide com a criação da nacionalidade. Nesse sentido, a descontinuidade no plano da política não nega, mas se articula com a continuidade no plano das estruturas profundas. Posto isto, é de justiça reconhecer que ele não tem esse cuidado quando analisa processos contemporâneos, o que acaba por levar – provavelmente pela necessidade de radicalizar no combate à tese feudal sobre as relações agrárias, pelo modo estreito como concebe a permanência do colonial na nação incompleta, pela subestimação das modificações induzidas pela industrialização, ou mesmo pela escassa capacidade de analisar processos políticos in fieri – água para o moinho da imagem do Brasil continuísta. Talvez seja o caso de assinalar, por isso, que a tentativa mais radical de romper com a "história imóvel" que afeta a maioria das interpretações da trajetória brasileira da colônia para cá é a de Ignácio Rangel (1957), desde o notável Dualidade Básica da Economia Brasileira até "A História da Dualidade Brasileira" (1981), em que refina suas hipóteses.

30. Embora a problemática subjacente seja a de toda e qualquer história intelectual de país de economia reflexa e subordinada aos fluxos do capitalismo e da cultura mundial, foi Sérgio Miceli (1979; 2001a; 2001b), salvo engano, quem usou de maneira mais sistemática o conceito (ou analogia?) de "substituição cultural de importações", especialmente em Intelectuais e Classes Dirigentes no Brasil (1920-1945), republicado em Intelectuais à Brasileira. Como o leitor terá percebido, estou retomando-o com ênfase, digamos, menos "infra-estrutural", da formação de um público leitor, mercado editorial, institucionalização das atividades intelectuais, iniciativas empresariais voltadas para a produção e consagração de bens culturais etc., que Miceli explorou consistentemente, e mais "superestrutural", compreendendo a destilação de teorias, conceitos, ideologias, problemáticas intelectuais enfim que vão sendo compartilhadas, de um conjunto de problemas e soluções teóricas, de tal modo que ao longo do tempo se vai formando uma tradição, um processo pelo qual o "mercado interno de idéias" acaba por funcionar como um filtro, selecionando por mil ensaios e erros o que absorver, transformar ou rejeitar do mercado de idéias mundial. Talvez possamos enfatizar "substituição de importações culturais" para o primeiro caso, e "substituição cultural de importações" no segundo. Ampliando a analogia, é evidente que a maturidade intelectual de um país terá a ver com sua conversão num pólo de desenvolvimento, capaz não apenas de oferecer matéria-prima para consumo e industrialização pelos intelectuais dos países centrais, mas também de produzir teoria e inovações metodológicas à altura dos padrões científicos universais.

31. Ou como dizem Jancsó e Pimenta (1999:174), "a identidade nacional brasileira emergiu para expressar a adesão a uma nação que deliberadamente rejeitava identificar-se com o corpo social do país, e dotou-se para tanto de um Estado para manter sob controle o inimigo interno". Exploro um pouco mais esta tese de Florestan em "Democratização e Desenvolvimento: Um Programa de Pesquisa" (Brandão, 2004).

32. Cf. Franco (1983); Queiroz (1976); Ferreira (1971). Sobre as aproximações e distâncias de boa parte da sociologia política uspiana dos anos 1950-1970 com os pensamentos de Oliveira Vianna e de Raymundo Faoro, ver Brandão (1999). Os intelectuais que compunham o ISEB – Hélio Jaguaribe, Guerreiro Ramos, Nelson Werneck Sodré etc. – estavam mais conscientes do que deviam aos seus predecessores.

33. Cf. Barreto (1991) e Lamounier (1999). Talvez se deva acrescentar a interpretação do Brasil contida nos trabalhos de José Murilo de Carvalho sobre o Império e a República, na qual é central a oposição entre estadania e cidadania, e que pode ser lida como expressão de um liberalismo democrático revigorado e em franco dissídio com o neoliberalismo (Carvalho, 1987; 1990).

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(Recebido para publicação em janeiro de 2005)
(Versão definitiva em maio de 2005)

* Com pequenas variações, o artigo reproduz o primeiro capítulo de minha tese de livre docência sobre Linhagens do Pensamento Político Brasileiro, defendida em dezembro de 2005 no Departamento de Ciência Política da Universidade de São Paulo – USP diante de uma banca composta por Brasílio Sallum Jr., Francisco C. Weffort, Luiz Werneck Vianna, Luiz Gonzaga Belluzzo e Marco Aurélio Nogueira.

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