sábado, 21 de março de 2009

Lilia Schwarcz e André Botelho: Ao vencedor as batatas 30 anos

RBCS, vol. 23, nº67,

AO VENCEDOR AS BATATAS 30 ANOS:
CRÍTICA DA CULTURA E PROCESSO SOCIAL

Entrevista com Roberto Schwarz
por Lília Schwarcz e André Botelho

Há trinta anos, em 1977, era publicada a primeira
edição de Ao vencedor as batatas, livro dedicado
ao surgimento do romance no Brasil, composto
por dois estudos substantivos, um sobre José
de Alencar e outro sobre Machado de Assis, precedidos
por um ensaio teórico-metodológico, hoje
célebre, “As idéias fora do lugar” — ensaio que
tem sido muito debatido, e mal compreendido,
talvez por conta de seu título provocador. Com o
livro, o cientista social e crítico literário Roberto
Schwarz lançava um dos programas reconhecidamente
mais consistentes, embora controverso, de
análise da articulação sociológica entre forma literária
e processo social no Brasil, cujo desenvolvimento
envolve, até hoje, pelo menos dois outros
livros: Um mestre na periferia do capitalismo: Machado de
Assis (1997) e Duas meninas (1999). Neste programa
crítico-sociológico o autor dá continuidade,
também, a uma perspectiva de seu professor, Antonio
Candido, que sempre apostou numa crítica
literária que estabelecesse um diálogo tenso com as
ciências sociais, pensadas de maneira mais ampla.
Além de uma abordagem inovadora sobre a
configuração social que a particular resolução formal
do realismo no Brasil revela, o programa crítico-
sociológico de Schwarz perscruta as implicações
estéticas e ideológicas do desenvolvimento desigual
e combinado do capitalismo, bem como a ambivalência
ideológico-moral entre ideário burguês e
paternalismo inscrita na conduta dos grupos sociais
engendrados na experiência brasileira daquele processo,
e cujos efeitos atingem inclusive o desenho
das instituições. A cópia de modelos exteriores passa
a ser questão inevitável, sendo ela mesmo o que de
mais interessante existe. Por outro lado, a existência
da escravidão significaria um elemento fundamental
a complicar a tradução das idéias liberais no país.
Além disso, mais do que entender “traduções” era
preciso pensar em “deslocamentos” e na viagem
das idéias – no qüiproquó das idéias como diz
Schwarz – que a aplicação desses conceitos, em regiões
periféricas, acabava por provocar. Por esses e
outros argumentos, a obra ganhou alcance e relevância
que vão muito além das fronteiras disciplinares
da crítica literária considerada em sua acepção
especializada.
Roberto Schwarz nasceu em 1938, em Viena,
Áustria. Formou-se em Ciências Sociais pela Universidade
de São Paulo em 1960. Em 1963 tornou-
se mestre em Teoria Literária e Literatura Comparada
pela Universidade de Yale e, em 1976,
doutor em Estudos Latino-Americanos pela Universidade
de Paris III. Entre 1978 e 1992 foi professor
de Teoria Literária na Unicamp. Publicou,
entre outros trabalhos, A sereia e o desconfiado (1965),
Ao vencedor as batatas: forma literária e processo social nos
inícios do romance brasileiro (1977), O pai de família e
outros estudos (1978), Que horas são? Ensaios (1987),
Um mestre na periferia do capitalismo (1990), Misplaced
ideas (1992), Duas meninas (1997) e Seqüências brasileiras
(1999).
A seguir apresentamos a entrevista que Roberto
Schwarz gentilmente nos concedeu em 24 de
agosto de 2007, em sua casa em São Paulo, e que
integrou as atividades elaboradas pelo Grupo de
Trabalho “Pensamento Social no Brasil” para homenagear
os trinta anos de Ao vencedor as batatas no
âmbito do XXXI Encontro Anual da Anpocs realizado
em outubro do mesmo ano – Encontro que
comemorou também os trinta anos da Anpocs.1
Na entrevista, Roberto Schwarz fala sobre a formulação
do livro, sua recepção ao longo desses anos
e desenvolvimentos em trabalhos posteriores. Assim,
entre outras questões cruciais, Schwarz revisa
o debate sobre a dualidade inscrita na experiência
social brasileira, seus efeitos na vida cultural e as
diferentes respostas dadas a ela; reafirma o potencial
heurístico da pesquisa da forma estética – não
apenas dos “acertos estéticos”, mas também dos
“desacertos” – para a compreensão da vida social,
bem como a importância da especificação do sentido
histórico das formas e das idéias no trabalho do
crítico da cultura.
* * *
André Botelho – Ao vencedor as batatas2 trata do surgimento
do romance no Brasil e do sentido por ele
assumido entre nós, gostaríamos que o senhor nos
falasse sobre o processo de formulação do livro.
Roberto Schwarz – O ponto de partida foi a impressão
de que a ironia de Machado de Assis era muito
brasileira. De modo geral, Machado era considerado
o menos brasileiro dos escritores brasileiros. O
maior, mas o menos brasileiro. Então, resolvi apostar
na minha impressão contrária e estudar esse
assunto, como tese de doutorado. Na época, a
dialética estava em alta e um de seus focos – os
focos da dialética mudam muito com o tempo –
era a ligação do mínimo ao abrangente, do mais
singular, como o estilo ou a ironia de um autor, à
estrutura de uma sociedade e, no limite, à história
do mundo contemporâneo. Havia uma frase de
Sartre que na época me impressionou muito. Sartre
dizia que no andamento do estilo de um bom autor
de alguma maneira está presente a história mundial.
No Brasil, então, essa ordem de preocupações
tem um interesse suplementar, que é o da desprovincianização,
porque a gente aqui tem o hábito de
ver as nossas coisas como sendo nossas e nada mais.
Assim, havia um interesse em dissecar a ironia de
Machado e mostrar que a escrita não é apenas uma
solução pessoal, mas que ela pertence a uma história
mais ampla, nacional, e que, no limite, o seu alcance
pode ser mundial. Do ponto de vista da
ambição crítica era um pouco por aí. Este caminho
na época estava sendo aberto por Antonio
Candido, no seu ensaio sobre a “Dialética da malandragem”.
3 Este ensaio faz muitas coisas, que
precisam ser vistas em conjunto. Ele toma o movimento
característico de um romance considerado
menor, as Memórias de um sargento de milícias, descreve
o seu andamento, desliga-o das intenções do
romancista – estas no caso não têm importância,
pois o alcance da forma é objetivo, sem conexão
com os propósitos do autor –, mostra a pertinência
nacional desse movimento, ou seja, do balanço
da malandragem, interpreta as suas muitas implicações,
para no final dizer: esse conjunto pode ser
comparado, em espírito diferencial, ao romance do
puritanismo norte-americano, A letra escarlate de Hawthorne.
Antonio Candido estava abrindo um caminho,
procurando maneiras consistentes de incluir
uma obra brasileira na discussão cultural contemporânea
mais ampla, ou mundial.
Lília Schwarcz – Ao mesmo tempo que brasileira,
não é? Porque em “Dialética da malandragem”
Antonio Candido tenta fazer uma espécie de arrazoado
não só sobre o caráter nacional brasileiro,
mas de que maneira a literatura poderia ser uma
ponte relevante nesse sentido.
Roberto Schwarz – Isso. Antonio Candido buscava
uma caracterização brasileira que por si mesma já
se inscrevesse no debate contemporâneo, que é brasileiro,
mas também internacional. É um percurso
que ficou sendo um modelo. Voltando à ironia de
Machado, o que me impressionou particularmente
foi o vai e vem entre uma certa coisa um pouco
empertigada, a linguagem ultracorreta, a finura analítica,
muita citação clássica, e, de outro lado, algo
que não era isso, que vinha das relações sociais características
do país. Enfim, um tom de classe marcado,
que entretanto não costumava ser visto como
tal. É a arte de Machado. Procurei, então, caracterizar
essa arte como sendo a combinação de um tom
de classe cosmopolita aos desvios característicos da
sociedade brasileira. Esse foi o ponto de partida.
Eu sentia que a ironia de Machado se alimentava
do vaivém entre oficialismo e desvio brasileiro da
norma. Obviamente era uma retomada da “Dialética
da malandragem” de Antonio Candido, no
âmbito de Machado de Assis. Meu esforço foi inicialmente
fixar a caracterização estilística desse vaivém,
que viria a ser o tema de Um mestre na periferia
do capitalismo muitos anos depois.4 Mas a questão
estava presente no começo. Fixar uma fórmula
estilística – essa oscilação – e, em seguida, tentar
explicá-la em termos brasileiros. Aí tive a sorte de
que meus professores estavam fazendo trabalhos que
ajudavam a desenvolver essa perspectiva. Havia, de
um lado, Fernando Henrique Cardoso, com Capitalismo
e escravidão no Brasil meridional,5 que procurava
mostrar que a escravidão – o desvio – não era o
contrário do capitalismo – a norma internacional –,
ao qual até certo momento ela foi útil. Portanto, a
oposição entre capitalismo e escravidão não era o
que parecia. Atrás da fachada liberal havia um mundo
mental quase clandestino, sobretudo do ângulo
europeu oficial. Ruminei bastante a tese de Fernando
Henrique, mas faltava algo para chegar em Machado.
Aí apareceu o livro de Maria Sylvia de Carvalho
Franco.6
André Botelho – O senhor leu o livro ou a tese?
Roberto Schwarz – Li a tese.
André Botelho – Em 1964 mesmo?
Roberto Schwarz – Acho que li antes da defesa. Provavelmente
não assimilei na primeira leitura. O fato
é que foi ali por 1970, quando eu estava escrevendo
“As idéias fora do lugar”,7 que ela fez diferença na
minha cabeça. Na verdade, o que possibilitou fazer
“As idéias fora do lugar” foi a combinação de
Fernando Henrique e Maria Sylvia. Os dois não
conversavam, mas os trabalhos deles eram involuntariamente
complementares. Fernando Henrique
mostrava que a escravidão era compatível com o
capitalismo, que o capitalismo promovia a escravidão
até um certo ponto, para depois deixar de promovê-
la, claro. Com isso a escravidão deixava de
ser um resíduo local e passava a estar inscrita no
movimento geral da sociedade contemporânea.
Tratava-se de fazer explodir o localismo. Analogamente,
Maria Sylvia pegava o tema mais localista e
confinado possível, que é o caipira, o homem livre
e pobre, e mostrava que ele é complementar estruturalmente
de um certo desenvolvimento do capitalismo,
de um certo tipo de propriedade com
objetivo econômico. Vendo com distância, essa era
uma tendência da USP. Antonio Candido ia por aí
em literatura, Fernando Henrique fazia isso em relação
à charqueada no Sul, Maria Sylvia em relação
aos processos-crime de Guaratinguetá. Era o projeto
coletivo da dialética que estava em andamento,
pautando as pesquisas. Para Maria Sylvia e Fernando
Henrique, ele era diretamente marxista, ligado à
leitura recente de O capital. Para Antonio Candido,
que era mais velho e tivera militância socialista anterior,
e sabia muito sobre os partidos comunistas e
a União Soviética, a relação era menos direta. Ele
assumia muito do programa intelectual marxista,
que entretanto cumpria com outros meios e sem
terminologia canônica. Como a leitura dele era excepcionalmente
grande e variada, adquirida com
independência, ele acabou elaborando algo como
um materialismo histórico paralelo. Com todas as
diferenças, entretanto, há um fundo de época em
comum a todos esses autores e a setores inteiros da
USP. De certo modo, o básico do meu livro foi o
casamento dessas três perspectivas, mais o estilo de
análise de Adorno.
Lília Schwarcz – Poderia nos falar mais sobre a introdução
da perspectiva de Adorno?
Roberto Schwarz – Adorno desenvolveu uma idéia
de forma paralela à de Antonio Candido, ou melhor,
a de Candido é que é paralela à dele, que é anterior.
Obviamente, são elaborações independentes. Enfim,
em Adorno você tem a idéia de que ao fazer
uma análise interna cerrada de uma obra de valor,
você acaba descobrindo uma forma de organização
que alude de maneira importante à história contemporânea.
Esse é que é o ponto. É uma espécie
de parti pris metodológico. Eu me entusiasmei muito
com isso, de casar a análise estilística com a reflexão
histórico-social. É o que Antonio Candido
buscava fazer, especialmente em “Dialética da malandragem”
e depois, logo em seguida, no ensaio
sobre O cortiço.8 São ensaios de alto nível, os mais
complexos e inventivos da crítica brasileira. Antonio
Candido, que é sempre muito discreto do ponto
de vista metodológico, nunca falou das implicações
da perspectiva dele. Já Adorno, que disputava a
hegemonia teórica em toda a linha, no campo da
filosofia da música, da teoria estética e da teoria
da sociedade contemporânea, refletiu amplamente
sobre a questão e mostrou a conexão desse tipo de
análise com a dialética e com o marxismo. Em
Adorno há realmente um programa de fazer descobertas
sobre a sociedade contemporânea a partir
da análise estética. Esse é um ponto muito importante.
Em suma, o meu ponto de partida foi esse:
uma análise da escrita, do estilo da segundo fase de
Machado, mais uma tentativa de localizar os seus
elementos no Brasil do tempo. Ao historicizar esses
elementos, para romper a carapaça localista,
acabei dando com as “Idéias fora do lugar”, que
nasceram do esforço de uma explicação estética.
O ponto de partida da reflexão social no caso foi
estético. Este ensaio teve um destino próprio, mais
na área de ciências sociais, com um percurso diferente
do resto do livro, que funcionou na área de
Letras. Os ensaios foram lidos separadamente. Mas
eles foram concebidos de maneira bem. . .
Lília Schwarcz – Casada; articulada com o argumento
geral?
Roberto Schwarz – Bem casada. Se você tomar o
segundo ensaio, sobre a importância do romance
de Alencar,9 ele retoma integralmente, agora no
plano da história do romance, o esquema de “Idéias
fora do lugar”. Você tem uma forma literária européia
que é trazida para o Brasil, onde é saturada
de matéria local, o que vai produzir uma série de
inconsistências e contradições não desejadas. Tento
interpretar as contradições, de um lado, como
defeitos estéticos, que fazem com que Senhora seja
um livro limitado, mas, de outro lado, como reveladores
do Brasil e como ponto de partida para
um grande autor, que viria depois e seria Machado
de Assis, que acaba inventando uma nova solução
para a dificuldade. Assim, os defeitos são problemas
para o autor seguinte, e vai se criando um fio
interno, uma linhagem interna ao país. . .
André Botelho – Um processo de acumulação estética?
Roberto Schwarz – Uma acumulação, exatamente. O
autor seguinte, se por milagre for crítico e agudo
como Machado, vê os pontos fracos e os supera,
inventando combinações e soluções superiores. Isso
é a retomada estrita das “Idéias fora do lugar” no
plano da forma. A importação de uma forma foi
criando impasses, assim como as idéias européias
contemporâneas, combinando-se à escravidão e ao
paternalismo, haviam criado por sua vez. Então, os
impasses em Alencar são dessa mesma ordem e
podem ser estudados desse ponto de vista.
Lília Schwarcz – Já era proposital então? Pergunto
isso porque o senhor disse que a primeira idéia foi
estudar Machado. Alencar surgia como contraponto?
Roberto Schwarz – De acordo com a tradição dialética,
eu queria acompanhar a gênese da problemática
do Machado. O que aconteceu é que de fato
o plano inicial mudou um pouco, mas não no essencial.
Vocês sabem que os primeiros romances
de Machado são fracos. Daí, o meu plano inicial
era a) “Idéias fora do lugar”, b) Alencar e a importação
da forma romanesca, c) um capítulo breve
sobre os primeiros romances, e d) a grande fase.
Tudo num volume só. Acontece que os romances
do primeiro Machado praticamente não tinham
sido estudados. Quando comecei a escavar um
pouco mais, vi que ali havia um mundo, sem prejuízo
de algo esteticamente diminuído. Então, o capítulo
ligado a eles cresceu além do previsto. Para fins de
tese, parei por ali mesmo, e as proporções do livro
mudaram. O segundo volume ficou para depois.10
De fato, os romances da primeira fase são mais
interessantes do que eu esperava. O processo de
racionalização, ou de civilização do paternalismo, que está lá, o anseio de tornar o paternalismo menos destrutivo, nada disso eu tinha presente quando
comecei a pesquisa. Queria procurar os temas
da segunda fase na primeira, só por honra da firma.
Aí, de repente, descobri que ali havia muito
que estudar. São romances semi-ruins, mas ricos,
tanto para a compreensão de Machado da segunda
fase como para a compreensão do Brasil.
Lília Schwarcz – Às vezes um mau romance é um
bom documento. Baxandall sempre deixou clara
essa perspectiva: “Uma má tela – como documento
de época – é muito melhor do que uma ótima
tela”.11 Alencar era mau documento, nesse sentido?
Roberto Schwarz – Machado achou que dava para
evitar pontos fracos de Alencar, o que é um modo
de corrigir, mas a correção não saiu boa por sua
vez. O ângulo que me interessou foi o do acerto
estético, ou também do desacerto estético, os dois
com substância social. Procuro explicar as razões
pelas quais Alencar não dá certo, as razões pelas
quais o primeiro Machado também não dá certo, e
como isso vai criando um problema que o segundo
Machado, de uma maneira realmente genial,
soluciona. É claro que esse tipo de crítica depende
de haver um bom escritor, um escritor que integre
e supere os anteriores. Também neste sentido “Dialética
da malandragem” é interessante, porque Antonio
Candido mostra que a superação de impasses
ou estreitezas, que faz a qualidade da prosa, o
seu balanço, pode ocorrer de maneira meio inconsciente,
rente ao sentimento da vida. É o trabalho
artístico. O trabalho artístico é uma forma de pensamento
fora do trabalho teórico. Manuel Antonio
de Almeida não apontava para alturas intelectuais
extraordinárias. Entretanto, ele solucionou um pedaço
importante da problemática estética brasileira.
Retomando a formulação de Baxandall, a diferença
entre valor documentário e valor estético existe.
Mas a qualidade artística não deixa de ser um “fait
social”, como diz Adorno, e a forma, mesmo a
mais sutil, não deixa de ter valor de documento
histórico a seu modo, se for bem entendida.
Lília Schwarcz – Aliás, Manuel Antonio de Almeida
também publicou de uma maneira sem pretensões;
como fascículos de jornal. . .
Roberto Schwarz – Sem pretensão, o que faz parte
da incrível graça dele.
Lília Schwarcz – Só para ter claro isso: aparece na
introdução e no tratamento de Alencar e de Machado
de Assis uma questão de fundo que surge
aqui também, e que se repete no segundo livro e
no seu artigo “Nacional por subtração”.12 Trata-se
da questão da falsa crítica à cópia. O tema da cópia
e da falsidade da cópia (e nós estávamos conversando
– faz pouco tempo não só da literatura, mas
do pensamento social brasileiro). Esse é um tema
antigo em nossa história do pensamento social. Silvio
Romero, por exemplo, acusou sua geração anterior
de copiar, mas ele mesmo foi ultrapassado
pela idéia da cópia.
Roberto Schwarz – E copiou freneticamente.
Lília Schwarcz – No momento da gestação de Ao
vencedor as batatas esse tipo de debate sobre a questão
da cópia foi importante?
Roberto Schwarz – A palavra cópia se tornou importante
com Derrida. Na altura em que eu escrevi
isso, o que eu tinha na cabeça era o deslocamento
das ideologias.
Lília Schwarcz – É o que você chama de nossas
“esquisitices nacionais”?
Roberto Schwarz – Aí tem um ponto que se presta a
mal-entendidos. Esse ensaio não é uma crítica da
cópia das idéias. É uma tentativa de explicar por
que as idéias copiadas, ou melhor, por que as idéias
importadas dão entre nós a impressão de postiças.
Lília Schwarcz – No fundo são as mais verdadeiras.
Roberto Schwarz – Tratava-se de uma explicação estrutural
de por que nos países periféricos as idéias
adiantadas dão a impressão de postiças ou copiadas.
O que não quer dizer que você possa não copiar.
Não está disponível em um país como o Brasil
não copiar. Só para um ignorante voluntário. . .
Lília Schwarcz – Essa opção não se coloca, não é
verdade?
Roberto Schwarz – É, não se coloca. Seria absurdo.
O que é preciso é ter juízo na maneira de encarar as
idéias contemporâneas e saber o que cabe e o que
não cabe, o preço que se paga para adotá-las. Num
país periférico, o que está ao alcance é ser judicioso
na relação com o ultramoderno. Mas não está à
disposição não se ligar com ele, sob pena de regressão.
Os tempos mudaram muito, e isso hoje
parece evidente. Mas até a década de 1970, o desejo
de uma cultura nacional “autêntica”, antiimperialista,
sem mistura e sem dívida com o estrangeiro,
era forte.
André Botelho – É curioso como, a meu ver – não
só a meu ver –, sua tese foi a princípio pouco
compreendida. Como o senhor pensa a leitura
que Maria Sylvia de Carvalho Franco fez do seu
ensaio?13
Lília Schwarcz – Inspiradora e. . .
André Botelho – Aliás, em Sentimento da dialética,14 Paulo
Arantes refere-se à interpretação de Maria Sylvia
do seu ensaio como um equívoco, ou um mal-entendido,
na medida em que a sugestão de que “As
idéias fora do lugar” estava repondo uma dualidade,
de modo algum procede – e creio que ele tenha
razão. É curioso, por outro lado, como Maria
Sylvia filia o seu ensaio a Fernando Henrique Cardoso,
à teoria da dependência.15 Corretamente, pelo
que estamos percebendo.
Roberto Schwarz – Todos pertencíamos a uma corrente
mais ou menos comum.
André Botelho – Mas há diferenças substantivas entre
o seu trabalho e o dela, não?
Lília Schwarcz – Por exemplo, na idéia de “favor”.
Maria Sylvia reduziria o debate só à questão do
capitalismo e à inserção do país como país marginal
na lógica. . . E na sua interpretação que aparece
aqui da idéia de favor ela surge como um modelo
maior. Não é isso? Que não ficaria subsumido só. . .
Roberto Schwarz – Aqui há muitas perguntas. O
destino do ensaio foi muito determinado pelo título,
“As idéias fora do lugar”. Muita gente que leu
quis pôr as idéias no lugar. O que aliás mostra a que
ponto o sentimento de que as idéias estão fora do
lugar no Brasil é difundido. As pessoas gostariam
de não sofrer desse deslocamento das idéias, que é
expressão da ordem mundial. Mas não há como. . .
Lília Schwarcz – Às vezes os alunos de ciências sociais
acham que o título do seu livro é As idéias fora
do lugar!
Roberto Schwarz – A seu modo, o título é uma piada.
Procura nomear e sublinhar uma impressão, mas
não para dizer que ela está certa. Que as idéias
modernas estejam fora do lugar no Brasil é o maior
lugar comum do pensamento conservador brasileiro,
e eu não ia repeti-lo. Desde a primeira constituição
liberal, as pessoas diziam: “Isso não serve
para o Brasil. São idéias estrangeiras. Tudo só no
papel”. Enfim, eu não ia escrever para dizer que as
idéias liberais estavam fora do lugar num país com
escravidão. O que tentei explicar foi por que razões,
que são de classe, ligadas à iniqüidade social
do país, as pessoas sentem que elas, as idéias novas,
estão fora do lugar. É a explicação – marxista – de
uma impressão. Nesse sentido, é um trabalho de
crítico literário. Você tem uma impressão de superfície
e o trabalho do crítico é explicar essa
impressão.
Lília Schwarcz – Muito próximo da “Dialética da
malandragem”, não é?
Roberto Schwarz – Sem dúvida. Voltando a Maria
Sylvia e à objeção que ela me faz, de dualista: o
dualismo não se suprime por um ato de vontade,
ele é um dado geral do capitalismo em toda parte,
é a sociedade cindida. Agora, se você é um espírito
dialético, não pára na dualidade e trata de revê-la
dentro de um movimento mais amplo e de fundo.
Entretanto, se você recusa a dualidade como ponto
de partida, você não faz análise dialética. Aliás,
não só dialética, vira tudo um mingau indiferenciado.
Mas voltemos à questão do favor. Maria Sylvia,
no trabalho dela, explica muito bem como o caipira,
o homem pobre, depende do favor de um proprietário
e que o proprietário, participando do
âmbito do capital, tem uma margem de manobra
que o homem pobre não tem. O proprietário pode
se comportar em relação a seu dependente seja
como um senhor à maneira antiga, com o qual há
uma relação de reciprocidade moral, seja como um
burguês moderno que não deve nada a ninguém,
cada um por si. Isso colocava o dependente em
uma situação de grande desvantagem, porque ele
nunca sabia se ia ser tratado como uma pessoa com
a qual há reciprocidade, há obrigações, ou como
um estranho, que pode ser posto para fora, pode
ser expulso da propriedade. Se estou bem lembrado,
este é o núcleo da contribuição dela. Note que
a relação entre dependente e propriedade rural, que
existe – o latifúndio cria os pobres sem direitos –,
é um lugar comum da observação social brasileira.
Em 1855, esse tema já estava formulado num livrinho
de Lacerda Werneck. Depois, Nabuco discutiu
a questão amplamente no Abolicionismo, com grande
categoria.16 As reflexões de Caio Prado sobre o
aspecto inorgânico da sociedade brasileira em boa
parte também tratam disso.17 Então, a contribuição
de Maria Sylvia não estava aí Ela retomou o
tema a propósito dos processos-crime de Guaratinguetá,
e avançou na análise da relação, em cujos
meandros morais e em cujo enquadramento histórico-
mundial entrou. Foi esse o passo à frente, se
não me engano, à parte a exposição de um universo
muito interessante. Ao redescobrir essas relações
no sistema de personagens de Machado, situado na
corte, acabei trazendo para a capital o esquema que
ela havia analisado na zona rural.
Lília Schwarcz – No caso dela a análise limitava-se,
em seu alcance, ao ambiente rural.
Roberto Schwarz – A questão reaparecia em posição
central para o país, com o grau de abstração e
a envergadura próprias ao grande romancista. Até
aí penso que não há maiores diferenças, e o trabalho
dela obviamente ajudou muito o meu. A diferença
considerável vai se dever ao objeto. O romance
de Machado, pelo estilo, abrirá uma frente
que no material de Maria Sylvia não podia existir. A
inflexão setecentista da prosa, calcada em mestres
franceses e ingleses, expõe a experiência brasileira
aos padrões gerais da ordem burguesa. Com isso,
a temática que Maria Sylvia estudou em versão rural
é medida pelo metro da civilização dita adiantada,
e mais – aí entra a grande imparcialidade machadiana
– ela não será só medida, como vai medir
ela também. Aí há uma viravolta sensacional, propriamente
uma façanha intelectual-artística. Vocês
notem que só porque estava lidando com Machado
é que pude entrar por essa seara. A passividade do
Brasil diante dos padrões gerais da ordem burguesa
é grande, até hoje. Até segunda ordem, o Brasil
não é a medida da ordem burguesa, o Brasil é um
efeito dela. Então vem um grande autor e diz:
“Bem, vamos desenvolver uma escrita em que um
âmbito se reflita no outro e fica para o leitor a tarefa
de situar-se e de dizer quem está certo – provavelmente
nenhum dos dois.”
Lília Schwarcz – É possível dizer, então, que há um
deslocamento do argumento da “originalidade da
cópia”. Ou seja, na análise de Maria Sylvia não existiria
possibilidade alguma de pensar que aqui teríamos
algum modelo original.
Roberto Schwarz – São questões determinadas pelo
objeto. Ela estava com um objeto passivo – nem o
agregado nem o proprietário rural iam dizer o que
pensavam do mundo contemporâneo –, ao passo
que eu lidava com uma obra que é um caso quase
único no Brasil: um escritor que, sem ser regressivo,
teve coragem de duvidar do padrão europeu.
Isso os contemporâneos de Machado, mesmo os
admiradores, sentiam só como uma espécie de ceticismo
ou niilismo descabido. Silvio Romero dizia:
“Lá vem ele com essas fumaças de misticismo
idiota, um desfibrado que não acredita em nada”.
Machado teve a ousadia e a isenção extraordinárias
de dizer: “Bem, nossos modelos e juízes também
são parte interessada e tampouco escapam do ridículo”.
Há parcialidade interesseira e ridículo dos
dois lados. Assim, o objeto empurra o crítico para
ângulos diferentes. Eu não tenderia a ver divergências
de fundo com Maria Sylvia, antes uma diferença
de objetos. No essencial houve colaboração, a
querela é secundária. Mas naturalmente é preciso
perguntar o que ela acha. [risos]
André Botelho – Agora, considerando do ponto de
vista teórico-metodológico “As idéias fora do lugar”
também parece ter sido mal compreendido,
o que ocorre já na leitura de Maria Sylvia de Carvalho
Franco, na medida em que o argumento dela
parece ser: “as idéias não podem estar fora do lugar
porque elas cumprem uma função social”. Mas
o que o seu ensaio está formulando é: “Sim, a despeito
disso, no entanto, elas permanecem deslocadas
porque há a historicidade própria da sociedade
brasileira; idéias não funcionam com variáveis sistêmicas
interligadas e intercambiáveis de modo independente
dos seus contextos históricos”.
Roberto Schwarz – Você tem toda razão. Maria Sylvia
me atribui a idéia de que as idéias não têm função
no Brasil. Isso nunca me ocorreu. Aliás, procuro
explicar minuciosamente quais as funções que têm.
Entre parênteses, essa opinião dela é também de
Alfredo Bosi, que me faz a mesma crítica.
André Botelho – De Bosi, e também de Carlos Nelson
Coutinho, que aponta os interesses de classe
como mediação entre a importação de idéias européias
e a realidade brasileira.18
Roberto Schwarz – As idéias produzem efeito de deslocamento,
sem prejuízo de terem função. Esses
não são aspectos incompatíveis. Elas têm função e
dão a impressão de estarem fora do lugar – ao
mesmo tempo. Num momento de hegemonia liberal
ascendente, a escravidão é um problema,
mesmo que dê dinheiro e esteja adaptada localmente.
Os deslocamentos são efeitos locais da ordem
mundial.
Lília Schwarcz – Elas também produzem significados
sociais, não é mesmo?
Roberto Schwarz – É.
André Botelho – Ainda no plano da recepção, eu gostaria
de perguntar sobre Franco Moretti, já que ele
vem utilizando bastante os seus trabalhos. Como
na idéia de “mercados narrativos” que ele vem formulando
no Atlas do romance europeu e também em
artigos publicados na New Left; como o senhor vê
essa recepção?19
Roberto Schwarz – Moretti é um autor extremamente
inventivo e está tentando criar modelos de história
literária para a globalização. Ele se interessou
pelo meu ensaio sobre Alencar, porque trata da viagem
das formas e da problemática que essa viagem
pode criar. Para ele veio a calhar. Nesse aspecto,
há um pormenor talvez interessante. John
Gledson, que preparou uma edição inglesa de ensaios
meus, resolveu incluir esse estudo sobre Alencar.
20 Achei um absurdo. “Mas, para quê você quer
publicar esse ensaio? Ninguém vai ler. Senhora é um
romance de segunda categoria, não é traduzido, não
interessa a ninguém, publique outra coisa”. O John
insistiu, disse que eu estava enganado e que o esquema
da viagem da forma interessa muito. Daquele
livro com certeza é o ensaio que mais chamou
atenção; Gledson é que viu certo.
Lília Schwarcz – É mesmo. Mais uma vez o livro
“menor”, digamos assim é que interessa mais para
pensar a forma e não o particular?
Roberto Schwarz – Eu havia visto a imigração da
forma como um problema da acumulação literária
brasileira, ou da atualização cultural de uma excolônia.
Moretti, que está estudando esse tipo de
migração de um modo geral e noutra escala, interessou-
se pelo ensaio. É que esse tema da viagem
das formas é um tema importante.
Lília Schwarcz – Que viaja mais.
Roberto Schwarz – É isso, um tema que viaja bem
[risos]. Viaja melhor do que a análise da prosa, por
exemplo.
Lília Schwarcz – Viaja mais porque permite uma
leitura mais universal (digamos assim) e menos pautada
na própria experiência brasileira?
Roberto Schwarz – Moretti começou fazendo, entre
outras coisas, uma espécie de comparatismo europeu,
centrado na viagem das formas e dos gêneros
pela Europa. A tragédia espanhola, a tragédia shakespeareana
e o Trauerspiel alemão; o romance espanhol,
inglês, alemão e francês etc. Um sistema, que
é europeu, com especificações nacionais. Isso na
Europa funciona muito bem, porque, como a Europa
toda se movimenta do feudalismo para o capitalismo,
ainda que em ritmos diferentes, as mesmas
coisas acontecem com sentidos relativamente
comparáveis nos diferentes lugares, um pouco antes
e um pouco depois. Lukács, aliás, já havia visto
assim a evolução do romance: o romance francês
antes de 1848, o romance russo antes de 1905, e as
próprias revoluções, são etapas que guardam correspondência.
Enfim, esse movimento funciona
bem sob o fundo homogêneo da transição do
feudalismo para o capitalismo. Quando se vai para
o mundo das ex-colônias, não há o paralelo, porque
a colonização é algo novo, de iniciativa européia,
mas que não repete a ordenação social da
Europa. Então, a viagem das formas começa a criar
o samba do crioulo doido, porque elas se “aplicam”
a uma realidade de outra ordem, que é o que
aconteceu no Brasil. Ando fuçando histórias literárias
de países de que não sei nada. Tem-se esse
mesmo tipo de problemática na literatura japone
sa, em fins do século XIX, na literatura coreana, na
literatura hindu, na literatura turca, para não falar
da russa, que é mais familiar. Há uma problemática
da periferia e das ex-colônias. Quando aparecer alguém
que saiba português, coreano, hindu e tal, ele
vai enxergar e criar um objeto novo, que existe e
está esperando formulação. Ou também, quando
tudo estiver traduzido para o inglês, vai ser possível
a comparação. Vai aparecer um conjunto disparatado,
mas consistente à sua maneira, que é o correlato
da situação de periferia. Voltando a Moretti,
que começou fazendo comparatismo europeu, ele
agora está atrás de esquemas adequados à globalização.
Ele se interessou por esse meu trabalho, que,
pelo contrário, se ligava a questões de afirmação
nacional, e que entretanto pode se integrar ao esquema
dele. O curso das coisas não é linear.
Lília Schwarcz – Ainda sobre esse tema da recepção
da sua obra para outras áreas do conhecimento.
O diálogo que Rodrigo Naves em A forma difícil
estabelece entre o seu trabalho e uma reflexão sobre
a história da arte no Brasil, particularmente a
análise sobre Debret, seria também um outro deslocamento
das idéias?21
Roberto Schwarz – Tudo isso sai da idéia de formação
de Antonio Candido: seu livro, que manda estudar
a retomada da tradição ocidental nas circunstâncias
brasileiras, bem como o processo de
acumulação e diferenciação que vai criando o que
ele chama de sistema literário.22 O processo existe
no campo literário, e também noutros campos, do
cinema, da pintura etc., com as diferenças de cada
caso. Rodrigo está atrás disso no campo da pintura.
O esquema é muito produtivo: um período de
acumulação, que permite a maturação de uma problemática
própria e uma criação mais independente,
mais equilibrada, menos exposta à influência sem
critério, à macaqueação direta.
André Botelho – É a sua explicação sobre a relação
entre forma estética e formação social.
Lília Schwarcz – Apesar de que com Rodrigo, no
caso do Debret, se entendo bem, o que ele mostra
é que a forma caminha mais difícil por conta da
incompatibilidade entre o modelo e a realidade; já
no caso do modelo neoclássico, a escravidão é o
limite para pensar. . .
Roberto Schwarz – É o objeto dele. Quer dizer, Debret
não é um grande artista, salvo melhor juízo.
Ele seria uma espécie de Alencar, dentro desse esquema.
Debret teve que desistir em certa medida –
Rodrigo Naves mostra isso – da forma neoclássica
para poder desenhar o que ele via aqui. Mas não
se tornou um grande artista, o objetivo no caso
aliás não seria esse. Mas poderia vir outro pintor
depois, que aprofundasse os seus resultados, ou
suas renúncias. Mas poderia também não aparecer.
Porque não precisa aparecer, não é? Machado de
Assis não precisava ter aparecido. Se ele não aparecesse,
ou ficasse nos romances da primeira fase,
todo o romance do século XIX brasileiro não passaria
de médio. Com exceção de Memórias de um
sargento de milícias, que é um momento brilhante, sem
ser máximo. Aí aparece o milagre de um escritor
que sintetiza os antecessores e dá um passo. Esse
escritor sempre pode não acontecer. Aparece numa
arte, noutra não.
André Botelho – Gostaria de ouvi-lo sobre sua análise
da relação entre forma estética e formação social,
análise que também aparece fortemente nas
suas leituras da Formação da literatura brasileira de Antonio
Candido,23 em especial sua discussão sobre
correspondências e desencontros entre processos
formativos distintos, mas mutuamente referidos –
no caso, entre o bem-sucedido processo de formação
da literatura com Machado de Assis e o da
sociedade brasileira, marcada por um tipo de máformação.
Roberto Schwarz – Esse tipo de análise pressupõe
alguma acumulação prévia, um acervo de observações
compatíveis sobre algumas estruturas artísticas
e a estrutura social. Os impasses da estrutura
social existem sob forma de defasagem histórica,
de brutalidade pura e simples, de iniqüidade, impotência,
ridículo, disparate e outras incongruências,
e naturalmente contradição. A gente vai vivendo
com o que está aí. Alguém vai pedir consistência ao
país? Não está na ordem do dia, salvo em momentos
de crise profunda. Agora, é da natureza do trabalho
estético que se veja tudo de todos os ângulos
e busque alguma integração. Faz parte da intensificação
estética e da criação de consistência que todos
os ângulos se reflitam uns nos outros e que se tirem
as conseqüências do que se formou; que se avance,
que se encontre uma forma superior, capaz de
integração. A obra de arte, nesse sentido, é um espelho
mais consistente, que vai onde o cotidiano
não chega. A rotação da prosa machadiana, que
combina o mundo abafado do paternalismo às formulações
lapidares – de cunho setecentista – sobre
o egoísmo burguês, dá nitidez a desajustes que normalmente
se perdem na trivialidade do dia-a-dia,
se é que chegam a se esboçar. Tudo se torna problemático
em novo grau. É claro que a sociedade
não dá o passo equivalente. A sociedade fica na
gelatina mesmo. Nesse sentido, as obras consistentes
anunciam passos que podem não ser dados. A
sua problemática tem fundamento real, mas no
ambiente favorável da imaginação a hélice gira muito
mais, é muito mais livre. No poema tudo se reflete
em tudo, o que a seu modo é uma radicalização,
uma forma de conseqüência. Mas grandes observadores
da vida social eventualmente podem fazer
isso também. Nos grandes livros isso acontece, tudo
se reflete em tudo, e a realidade quase se estetiza.
Acontece em Nabuco, Gilberto Freyre, para não
falar em Marx.
Lília Schwarcz – Essa é uma perspectiva da crítica
literária muito específica da escola paulista. Mais
especificamente da Universidade de São Paulo?
Roberto Schwarz – É sobretudo de Antonio Candido
e dos que aprenderam com ele.
Lília Schwarcz – Essa idéia de que a produção literária
tem algo a dizer sobre a sociedade, seus valores,
suas identidades. . .
Roberto Schwarz – É uma coisa que vai na contracorrente
da teoria literária metropolitana. Antonio
Candido deu esse passo no momento em que
na França estava jogando fora – mesmo a esquerda
– o lado da referência. Foi realmente um passo
de grande independência da parte dele. Mas a USP
estava em veia de independência na época. Houve
passos análogos em sociologia, em filosofia,
em história, e talvez noutras disciplinas que não
acompanhei.
Lília Schwarcz – Muita independência mesmo,
porque essa discussão ficou caricaturada entre os
formalistas e os historicistas. Nesse momento o
assim chamado “historicismo” era quase um mal,
não acha?
Roberto Schwarz – A particularidade de Antonio
Candido é que ele é formalista e historicista ao
mesmo tempo.
André Botelho – Como o senhor diz: uma crítica
que articula “filiação de textos e fidelidade à contextos”.
24
Roberto Schwarz – Além de incluir a análise formal.
A onda do estruturalismo foi grande, mas o trabalho
que ficou – sem alardes de método – foi o de
Antonio Candido. Sem os cacoetes de escola, são
as análises mais estruturais e minuciosas, bem como
inventivas, do período. O programa do estruturalismo
histórico ficou parado no ar. Sartre diz no
prefácio da Crítica da razão dialética: “A ressurreição
do marxismo depende de se conseguir um estruturalismo
histórico”. No momento em que Lévi-
Strauss estava afirmando que estrutura não tem nada
a ver com história, Sartre concluía que o marxismo
só ressuscita se operar essa ligação. Em Antonio
Candido ela está feita. É preciso dizer que quem
realizou abundantemente esse programa, bastante
antes, foram Adorno, Benjamin e Lukács, este quando
não era stalinista. Noutras palavras, há uma franja
marxista que levou isso a cabo, se explicou a respeito,
mas não se impôs em grande escala. É um fato
significativo, que ainda precisa ser explicado. Às
vezes penso que o marxismo vai acabar se impondo
como construção intelectual quando ele já não
tiver nenhuma relevância prática. Se você olhar – é
a minha opinião, claro – os grandes críticos do século
XX, os julgamentos-chave, os mais interessantes,
verá que têm ligação com o marxismo. Não
são diretamente marxistas, ligados à militância política,
mas são próximos. O marxismo autodenominado
e de escola é, em geral, medíocre. Isso tudo
é efeito do stalinismo. Criou-se uma espécie de maldição.
Seja como for, passado o tempo, a crítica
sem referência social e dialética sai bem diminuída
da comparação com Adorno, Benjamin, com o
“bom” Lukács, com Auerbach. Aliás, o lado esquerdo
de Auerbach foi pouco visto e ainda está
por ser explicitado. Moretti foi examinar os papéis
dele em Istambul, do tempo da guerra, que ele
passou lá, e descobriu que na primeira versão o
subtítulo de Mimesis era A dialética da representação na
literatura do Ocidente, e não A representação da realidade
na literatura do Ocidente, como ficou na versão definitiva.
25 Pode-se imaginar que depois da guerra,
quando Auerbach resolve imigrar para os Estados
Unidos, com o macartismo começando, ele tenha
tirado a dialética do título. . . O fato é que o marxismo
foi muito fecundo também fora de seus âmbitos
imediatos.
André Botelho – Olhando hoje para Ao vencedor as
batatas, pensamos em termos de um programa crítico-
sociológico. O senhor mesmo já havia comentado
noutras oportunidades e adiantou aqui também
como o seu plano original já envolvia o que
depois veio a ser Um mestre na periferia do capitalismo.
Uma questão sociológica que me chama muito a
atenção nesse desenvolvimento diz respeito à ambivalência
ideológico-moral entre ideário burguês
e paternalismo, inscrita na conduta dos grupos sociais,
questão que, embora já estivesse presente nos
primeiros romances, ganha destaque na “segunda
fase” de Machado de Assis.
Roberto Schwarz – Em Iaiá Garcia, que é o romance
da transição, a riqueza de análise social já é muito
grande. A fenomenologia das relações de favor é
impressionante. Procurei acompanhar analiticamente
e descrever uma por uma – a acuidade e a
sistematicidade do procedimento machadiano
surpreendem a todo o momento. Dito isso, tratase
do universo intuitivo da reflexão social brasileira,
do qual as construções sociológicas correntes
dão conta. O leitor de Gilberto Freyre, Sergio Buarque
de Holanda e Caio Prado Jr. está em casa. Já
com a segunda fase não é assim. Os termos do
primeiro são complacentes demais, e os outros dois
são demasiado progressistas para a configuração
machadiana. O ceticismo ilustrado, sobretudo a
compactação formal operada por Machado, que
tornou tangível a complementaridade, ou melhor,
a sincronia distante entre o padrão burguês ideal, o
ângulo corrente dos países centrais e a nossa acomodação
do escravismo liberal-paternalista, de excolônia,
são de outra ordem. Esse é um mix que
requer uma sociologia nova, que não está disponível,
para a qual a crítica literária seria um indicadorchave.
Como fica Dona Plácida, uma triste agregada,
refletida nas prerrogativas descaradas de um
proprietário à brasileira, refletidas na dicção breve
e lúcida da análise setecentista e metropolitana do
interesse individual, refletida na elegância autocomplacente
da Belle Époque? Machado achou um modo,
por meio da composição e da dicção características,
de ativar esses espelhamentos interclasse, transatlânticos,
entre matéria datada e estilo com outra
data – mais a problemática moral e o sistema de
diferenças do caso. Ele realmente rompeu as nossas
limitações mentais correntes.
Lília Schwarcz – O que é bonito também é o outro
lado, não é? Ou seja, a comparação com o outro
também leva à nossa própria estranheza. Como o
senhor diz no começo de seu livro, na sua tão famosa
quanto polêmica introdução, “toda reprodução
é sempre uma apropriação”. O que o seu trabalho
mostrava também é a possibilidade de se pensar dos
dois lados. A tensão também é relevante nos dois
lados. A apropriação também é um deslocamento.
Roberto Schwarz – Claro.
André Botelho – Pensando nos procedimentos estéticos
da obra de Machado de Assis, lembro de um
artigo recente no qual o senhor chama a atenção
para o fato de que, ironicamente, a atual consagração
internacional de Machado, sobretudo nos círculos
universitários norte-americanos, parece estar
implicando na sua descontextualização históricosociológica.
26
Roberto Schwarz – Quero continuar este ensaio, para
apontar o jogo de poder mundial atrás das interpretações.
Uma, que leva em conta a história local e
que diz que Machado é um grande autor porque
soube se ligar profundamente à vida social do país.
A outra, a qual desconhece a mesma história, mas
também acha que ele é um grande autor, dá outras
razões. Machado é grande porque é uma variante –
uma diferença – no cânon dos grandes autores internacionais.
Uma interpretação ancora o valor de
Machado na experiência local, e a outra, no sistema
de diferenças composto pelos clássicos da literatura
universal. As abordagens, tão opostas, são complementares
em certa medida, que é interessante
explorar. São leituras separadas, que por momentos
vão estar em guerra, porque uma vai reivindicar
contra a outra. A inclusão de Machado na
família dos grandes autores, onde ele tem posição
própria, obviamente é um ganho. A linha interpretativa
oposta dirá, na minha opinião, que é a história
local que produz as peculiaridades que fazem
diferença no sistema do cânon mundial. Peculiaridades
que podem ser reconhecidas e valorizadas,
mas não explicadas, sem referência à mesma história
local. Num caso ficamos com a tradição das
grandes obras e do diálogo dos gênios isolados;
no outro, com uma história local de luta pela desprovincianização
artística e pelo reconhecimento
mundial. Tudo está em explicitar a parte de verdade
em cada posição, em especial na restrição que
uma faz à outra.
Lília Schwarcz – Uma história de formas reais, que
são reiteradas no campo literário.
Roberto Schwarz – Exatamente, desde que essa reiteração
de formas não seja entendida de maneira
realista estreita.
Lília Schwarcz – Talvez o único outro autor brasileiro
– você me corrija – que tenha recebido esse
estatuto de autor brasileiro no exterior é Jorge
Amado. Ao menos na França. Mas a recepção dele
no exterior me parece que é em tudo diferente do
que o que você apontava nos romances mais recentes
de Machado de Assis.
Roberto Schwarz – Jorge Amado, até onde sei, não
teve uma consagração artística importante. Ou
melhor, teve a consagração da máquina do Realismo
Socialista, que esteticamente era regressiva.
Lília Schwarcz – Ou então, é a consagração de um
determinado Brasil, que se cria apenas para o exterior.
Em tudo oposto ao de Machado.
Roberto Schwarz – Quem tem uma carreira internacional
importante hoje, ligada ao feminismo, é Clarice
Lispector. Mas eu não conheço o suficiente para
palpitar.
André Botelho – Pensando agora em Duas meninas,
os dois ensaios que compõem o livro, em parte
talvez pela própria matéria de cada um deles, parecem
apresentar respostas distintas à relação entre
decadência econômica e fechamento da consciência
social: em Dom Casmurro, Capitu é derrotada
pelo sistema patriarcal em decadência; no caso do
diário de Helena Morley, o senhor chama a atenção
para o fato de a decadência econômica de Minas
Gerais ter criado, ao contrário de um fechamento
do mundo, uma abertura. Então, você tem a prosa
desataviada do diário, uma menina iluminista. . .27
Roberto Schwarz – Capitu é derrotada. Mas o romance
não é derrotado.
André Botelho – Correto, mas como o senhor pensa
a questão em relação à Minha vida de menina? Lembro
que, em geral, na literatura sociológica brasileira
é comum entender que a decadência econômica
leva a um fechamento da consciência social…
Lília Schwarcz – E não a um campo de possibilidades.
Roberto Schwarz – O diário dela de fato tem um
lado um pouco milagroso. Aconteceu uma coisa na
contracorrente, inesperada, que foi um fechamento
com abertura. Não sou conhecedor da história de
Minas, mas os entendidos falam de Diamantina
como de algo extraprograma – Drummond, por
exemplo, na boa crônica que dedicou a Minha vida
de menina. . . Por algumas razões, que agora não saberia
resumir, a decadência econômica e urbana lá
veio acompanhada de luzes mentais e alegria, e de
certa atenuação dos antagonismos sociais. Drummond
fala da cidade “chupista”, em que se bebia
vinho e onde a decadência do ouro não se tornou
lúgubre. Foi uma cidade festeira, essas coisas existem.
Voltando ao livro, além das surpresas de Diamantina
houve o milagre de uma menina precoce, que se
pôs a observar e a escrever antes de estar interessada
em namorar e casar, capaz de bastante inconformismo,
engraçada, um pouco protestante, entusiasta das
cerimônias católicas, agudamente consciente de suas
contradições etc. São várias as razões que fizeram
de seu diário uma coisa luminosa. Se ela continuasse
a escrever, é provável que não fosse interessante
daquele jeito depois. O momento histórico privilegiado,
beneficiado por certa indefinição, logo depois
da Abolição e um pouco antes do trabalho assalariado
propriamente dito, um lugar alegre, a menina
genial na idade certa, uma conjunção irrepetível.
Todo mundo conhece meninas geniais, só que. . .
Lília Schwarcz – Elas crescem. . .
Roberto Schwarz – Os cadernos – que foram dar no
livro – aconteceram só porque o pai, seguindo uma
moda européia, mandou-a escrever um diário. Ela
pegou o jeito, gostou, foi aplaudida e se desenvolveu.
O conjunto é de uma complexidade e ressonância
interna – as correspondências incríveis entre
as anedotas – próprias da grande literatura, sem pre
juízo da singeleza. Já que estamos falando da sua
qualidade literária, não custa notar que ela é – até
onde vejo – superior a quase tudo na literatura brasileira
do tempo. Essa opinião pareceu exagerada a
vários colegas de Letras, porque acham que os cadernos
de uma garota, mesmo engraçada, não devem
ser comparados ao trabalhos de autores ilustres.
Sob esse aspecto, o diário de Helena Morley
forma par com o Sargento de milícias, um livro que
também não tem a pompa da grande obra. A forma
e a sua qualidade são objetivas, independentemente
da intenção e da pretensão do autor. Helena
sequer sabia que estava escrevendo um livro, mas a
qualidade, o sistema denso e variado das relações
internas, está lá. O que importa é o que foi organizado
e escrito. Nós, os críticos, todos ilustrados e
modernos, em princípio sabemos que a forma é
objetiva, que a intenção do autor não é o que conta,
gostamos de falar da mort de l’auteur etc., mas no
frigir dos ovos, no dia-a-dia da avaliação, os bons
continuam os de sempre. Vocês leiam os consagrados
da época – com a exceção de Machado – e
comparem com o diário. Esteticamente, não há
comparação. Mostrem Minha vida a um estrangeiro
e ele imediatamente vai dizer que é genial. Mostrem
os contemporâneos consagrados, e ele vai
dizer que um é interessante, o outro precursor. Mas
genial? O livro de Morley é feliz como as grandes
obras de arte, essa é que é a verdade, a meu ver.
Mas o principal não está aí. É que a superioridade
estética nalgum nível traduz um acerto da atitude
extra-estética. A menina situava-se melhor diante
da matéria brasileira do que os literatos calejados,
com que é boa idéia compará-la.
André Botelho – Sem intenção estética!
Lília Schwarcz – É o que os professores não engolem.
Penso que assimilam como documento de
época, como repertório cultural, repertório de época.
Mas na prática: “Esse livro não passa de um
diário e diário não é literatura, segundo essa visão”.
Roberto Schwarz – Tudo está em dissociar complexidade
ou alcance objetivos da intenção autoral.
O objet trouvé é central para a arte moderna, e para a
crítica moderna Ele está lá, é uma coisa extraordinária,
que, entretanto, não foi feita com essa intenção.
É claro que a autora do diário, que já era
adulta quando publicou os cadernos da menina,
achou que aquilo tinha graça. Mas não terá pensado
que fosse um grande livro. Já os literatos amigos
do marido, quando o livro saiu, foram prontos
no reconhecimento. Gilberto Freyre, Manuel
Bandeira, Rubem Braga, Carlos Drummond, Elizabeth
Bishop – um batalhão respeitável – todos
disseram que era extraordinário. Georges Bernanos
mandou uma cartinha: “A senhora escreveu um
livro genial”. Depois virou um presente para mocinhas
e aí ficou.
Lília Schwarcz – Impressionante. A última pergunta
é só uma curiosidade – eu acho que o senhor já
adiantou um pouquinho. Quais são os novos projetos,
os projetos em pauta?
Roberto Schwarz – Vou desenvolver o ensaio sobre
a leitura nacional e internacional de Machado.
Notas
1. Além da realização desta entrevista, o GT “Pensamento
Social no Brasil” também organizou, no âmbito do
referido Encontro, a mesa redonda “Ao vencedor as batatas
30 anos: crítica da cultura e processo social”,
coordenada por André Botelho, que contou com as
participações de Sergio Miceli, Heloisa Starling e,
pela primeira vez na Anpocs, do próprio Roberto
Schwarz.
2. Ao vencedor as batatas: forma literária e processo social nos
inícios do romance brasileiro, São Paulo, Duas Cidades,
1977.
3. “Dialética da malandragem” analisa Memórias de um
Sargento de Milícias, de Manuel Antonio de Almeida,
originalmente publicado como folhetim no suplemento
“A Pacotilha” do Correio Mercantil de junho de 1852
a julho de 1853. O ensaio de Antonio Candido foi
publicado originalmente em 1970 no número 8 da Revista
do Instituto de Estudos Brasileiros e republicado em O
discurso e a cidade (São Paulo, Duas Cidades, 1993).
4. Roberto Schwarz refere-se a Um mestre na periferia do
capitalismo: Machado de Assis (São Paulo, Duas Cidades,
1990).
5. Fernando Henrique Cardoso: Capitalismo e escravidão no
Brasil meridional, São Paulo, Difusão Européia do Livro,
1962.
6. Maria Sylvia de Carvalho Franco, Homens livres na ordem
escravocrata, São Paulo, IEB/USP, 1969.
7. O ensaio “As idéias fora do lugar”, posteriormente reunido
em Ao vencedor as batatas (1977), foi originalmente
publicado no número 3 de Estudos (Cebrap, São Paulo,
1973).
8. Antonio Candido, “De cortiço a cortiço”, Novos Estudos-
Cebrap, São Paulo, n. 30, 1991 – reunido posteriormente
em O discurso e a cidade, op. cit.
9. “A importação do romance e suas contradições em Alencar”,
em Ao vencedor as batatas, op. cit.
10. Referência a Um mestre na periferia do capitalismo: Machado
de Assis, op. cit.
11. Michael Baxandall, Padrões de intenção, São Paulo, Companhia
das Letras, 2006.
12. Referência a Um mestre na periferia do capitalismo, op. cit.,
e a “Nacional por subtração”, aula dada no curso “Tradição/
Contradição” da Funarte, publicada na Folha de
São Paulo em 7 de junho de 1986 e posteriormente em
Que horas são? Ensaios (São Paulo, Companhia das Letras,
1987).
13. Referência ao artigo “As idéias estão em seu lugar”, de
Maria Sylvia de Carvalho Franco publicado no número
1 de Cadernos de Debate, 1976.
14. Paulo Arantes, Sentimento de dialética na experiência intelectual
brasileira: dialética e dualidade segundo Antonio Candido
e Roberto Schwarz, Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1992.
15. Referência especialmente a Fernando Henrique Cardoso
e Enzo Faletto, Dependência e desenvolvimento na América
Latina: ensaio de interpretação sociológica (México, Siglo
XXI, 1969 [ver 3 ed., Rio de Janeiro, Zahar Editores,
1975]), livro escrito entre os anos de 1967 e 1968,
quando os autores participavam da Comissão Econômica
para América Latina e Caribe – Cepal; e a Fernando
Henrique Cardoso, O modelo político brasileiro (São
Paulo, Difel, 1973).
16. Joaquim Nabuco, O Abolicionismo [1884], 5 ed., Petrópolis,
Vozes, 1988.
17. Referência a Formação do Brasil contemporâneo [1942],
São Paulo, Brasiliense, 1989.
18. Referências a Alfredo Bosi, “A escravidão entre os dois
liberalismos”, em Dialética da colonização (São Paulo,
Companhia das Letras, 1992), e a Carlos Nelson Coutinho,
“Cultura brasileira: um intimismo deslocado, à sombra
do poder?” (Cadernos de Debate, n. 1, 1976).
19. Franco Moretti, Atlas do romance europeu, 1800-1900,
trad. de Sandra Guardini Vasconcelos, São Paulo, Boitempo,
2003; e, especialmente, “Conjecture on world
literature”, New Left Review, 1, January-February, 2000,
pp. 54-68; “More conjectures”, New Left Review 20,
March-April, 2003, pp. 73-81; e “The end of the beginning”,
New Left Review, 41, September-October,
2006, pp. 71-86.
20. Roberto Schwarz, Misplaced ideas: essays on Brazilian
culture, Londres/NovaYork, Verso, 1992.
21. Rodrigo Naves, A forma difícil: ensaios sobre arte brasileira,
São Paulo, Ática, 1990.
22. Referência a Antonio Candido, Formação da literatura
brasileira, São Paulo, Martins, 1969.
23. Referência especialmente a Roberto Schwarz, “Sobre
a Formação da literatura brasileira” e “Os sete fôlegos
de um livro”, em Seqüências brasileiras: ensaios, São Paulo,
Companhia das Letras, 1999.
24. Referência à análise de Schwarz do método crítico de
Antonio Candido desenvolvida em “Adequação nacional
e originalidade crítica”, em Seqüências brasileiras, op.
cit.
25. Erich Auerbach, Mimesis: a representação da realidade na
literatura ocidental, 4 ed., São Paulo, Perspectiva, 1998.
26. Roberto Schwarz, “Leituras em competição”, Novos
estudos – Cebrap, n. 75, 2006.
27. Referências a Machado de Assis, Dom Casmurro [1899],
em Obra Completa, Rio de Janeiro, Aguilar, 1962; e a
Helena Morley, Minha vida de menina, Rio de Janeiro,
José Olympio, 1942.

AO VENCEDOR AS BATATAS
30 ANOS: CRÍTICA DA CULTURA
E PROCESSO SOCIAL:
ENTREVISTA
COM ROBERTO SCHWARZ
Por Lília Schwarcz e André Botelho
Palavras-chave: Ao vencedor as batatas;
Experiência social brasileira; Crítica
da cultura; Forma Estética.
Roberto Schwarz concedeu esta entrevista
em 24 de agosto de 2007, em sua casa
em São Paulo, e que integrou as atividades
elaboradas pelo Grupo de Trabalho
Pensamento Social no Brasil para homenagear
os trinta anos de Ao vencedor as
batatas no âmbito do XXXI Encontro
Anual da Anpocs. Ele fala sobre a formulação
do livro, sua recepção ao longo desses
anos e desenvolvimentos em trabalhos
posteriores. Assim, entre outras questões
cruciais, Schwarz revisa o debate sobre a
dualidade inscrita na experiência social
brasileira, seus efeitos na vida cultural e
as diferentes respostas dadas a ela; reafirma
o potencial heurístico da pesquisa da
forma estética – não apenas dos “acertos
estéticos”, mas também dos “desacertos”
– para a compreensão da vida social, bem
como a importância da especificação do
sentido histórico das formas e idéias no
trabalho do crítico da cultura.

THE THIRTIETH ANNIVERSARY
OF AO VENCEDOR AS BATATAS:
A CRITIQUE ON CULTURE AND
THE SOCIAL PROCESS. AN
INTERVIEW WITH ROBERTO
SCHWARZ
By Lília Schwarcz e André Botelho
Keywords: Ao vencedor as batatas;
Brazilian social experience; Culture
critic; Esthetic form.
This interview, given by Roberto Schwarz
on August 24, 2007 at his house in São
Paulo, has integrated the activities elaborated
by the Grupo de Trabalho Pensamento
Social (Social Thinking Workgroup)
in Brazil to honor the thirtieth anniversary
of Ao vencedor as batatas in the
scope of the 31st Anpocs Annual Meeting.
It covers the conception of the book,
its reception along the years, as well as
developments in posterior studies. Thus,
among other crucial questions, Schwarz
revises the debate on the duality inscribed
in the Brazilian social experience, its effects
on the cultural life and the different
responses given to it; it also reaffirms the
heuristic potential of the research on the
aesthetic form – not only the so-called
“aesthetic hits” but also the “misses” –
towards the understanding of the social
life, as well as the importance of specification
in the historical meaning of the
forms and ideas in the work of the culture
critic.
AU VAINQUEUR LES POMMES DE
TERRE 30 ANNÉES: CRITIQUE
DE LA CULTURE ET PROCESSUS
SOCIAL: INTERVIEW
AVEC ROBERTO SCHWARZ
Par Lília Schwarcz et André Botelho
Palavras-chave: Ao vencedor as batatas;
Expérience sociale brésilienne; Critique
de la culture; Forme esthétique.
Roberto Schwarz nous a concédé cette
interview le 24 août 2007 dans sa maison
à São Paulo. Elle a fait partie des activités
mises en place par le Groupe de Travail
Pensée Sociale au Brésil pour rendre
hommage au 30 ans de Au vainqueur les
pommes de terre dans le cadre de la XXXIème
Rencontre Annuelle de l’Anpocs. Il aborde
la formulation du livre, sa réception
tout au long de ces années et ses développements
dans des travaux postérieurs.
Ainsi, parmi d’autres questions cruciales,
Schwarz révise le débat sur la dualité inscrite
dans l’expérience sociale brésilienne,
ses effets sur la vie culturelle et les
différentes réponses qui lui sont données;
il réaffirme le potentiel heuristique de la
recherche de la forme esthétique – non
seulement des “ajustements esthétiques”,
mais aussi des “erreurs” – pour la compréhension
de la vie sociale, ainsi que
l’importance de la spécification du sens
historique des formes et des idées dans le
travail du critique de la culture.

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